quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Censo Agro 2006: IBGE revela retrato do Brasil agrário

O Censo Agropecuário 2006 revelou que a concentração na distribuição de terras permaneceu praticamente inalterada nos últimos vinte anos, embora tenha diminuído em 2.360 municípios. Nos Censos Agropecuários de 1985, 1995 e 2006, os estabelecimentos com mais de 1.000 hectares ocupavam 43% da área total de estabelecimentos agropecuários no país, enquanto aqueles com menos de 10 hectares ocupavam, apenas, 2,7% da área total. Focalizando-se o número total de estabelecimentos, cerca de 47% tinham menos de 10 hectares, enquanto aqueles com mais de 1.000 hectares representavam em torno de 1% do total, nos censos analisados.

Em 2006, os cerca de 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários do país ocupavam 36,75% do território nacional e tinham como atividade mais comum a criação de bovinos. A área total dos estabelecimentos agropecuários brasileiros diminuiu em 23,7 milhões de hectares (-6,69%), em relação ao Censo Agropecuário 1995, uma possível causa foi a criação de novas Unidades de Conservação Ambiental (crescimento de 19,09% de área) e demarcação de terras indígenas (crescimento de 128,2%), totalizando mais de 60 milhões de hectares. Entre 1995 e 2006, os estabelecimentos agropecuários registraram redução de suas áreas de florestas (-11%) e de pastagens naturais (-26,6%), e aumento nas áreas de pastagens plantadas de 1,7 milhão de hectares (1,8%), sobretudo na região Norte (39,7%), enquanto aquelas dedicadas à agricultura cresceram 19,4%, sendo que o maior aumento ocorreu no Centro-Oeste (63,9%).

A grande maioria dos produtores entrevistados eram analfabetos ou sabiam ler e escrever mas não tinham freqüentado a escola (39%), ou não possuíam o ensino fundamental completo (43%), totalizando mais de 80% de produtores rurais com baixa escolaridade. Trabalhavam em estabelecimentos agropecuários, 18,9% da população ocupada no país. 77% dos ocupados tinham laços de parentesco com o produtor e 35,7% não sabiam ler e escrever Havia mais de 1 milhão de crianças com menos de 14 anos de idade trabalhando na agropecuária.

Com crescimento de 88% na produção, a soja foi a cultura que mais se expandiu na última década, sendo que em 46,4% desses estabelecimentos optou-se por sementes transgênicas. Apenas 1,8% dos estabelecimentos agropecuários praticavam agricultura orgânica no país, sendo que 42,5% destes produtores ligavam-se a associações, sindicatos ou a cooperativas. 6,3% dos estabelecimentos declararam utilizar irrigação, o que representou um aumento de 39% em relação ao Censo anterior. Mais da metade dos estabelecimentos onde houve utilização de agrotóxicos não recebeu orientação técnica (785 mil ou 56,3%). Além disso, 15,7% dos produtores rurais responsáveis por estabelecimentos onde houve aplicação de agrotóxicos não sabem ler e escrever, o que potencializa o risco de intoxicação e uso inadequado do produto. O rebanho bovino brasileiro era de 171,6 milhões de cabeças em dezembro de 2006, sendo que Mato Grosso do Sul reunia 20,4 milhões de cabeças, enquanto Pará registrou maior crescimento (119,6%).

Os estabelecimentos pesquisados obtiveram um valor da produção total de R$ 147,26 bilhões, dos quais 77,07% (R$ 113,49 bilhões) provenientes da Produção Vegetal. 920 mil estabelecimentos obtiveram financiamentos; 91% destes receberam financiamento de bancos e 85% receberam de programas governamentais. Os estabelecimentos que têm como atividade principal a cana-de-açúcar ou a soja ficaram com a maior participação no valor da produção agropecuária (ambos 14%), seguidos por aqueles que se dedicam à criação de bovinos (10%). Esses são alguns dos resultados do 10º Censo Agropecuário - 2006, maior levantamento sobre a estrutura produtiva do setor primário brasileiro, que traz um perfil de aproximadamente 5,2 milhões de estabelecimentos, em todos os 5.564 municípios brasileiros.

Em 2006, o Censo Agropecuário apurou que os 5.175.489 estabelecimentos agropecuários1 ocupavam 329.941.393 hectares, o equivalente a 36,75% do território brasileiro (851.487.659 hectares)2. Em relação ao Censo de 1995, houve uma redução de 23.659.882 hectares na área total dos estabelecimentos agropecuários (-6,69%). Um dos motivos para isso pode ter sido a criação, contando a partir de 1995, de novas terras indígenas e unidades de conservação, as quais correspondem a um total de 60.630.859 hectares. As unidades de conservação representavam, em 2006, 8,47% do território nacional (ou 72.099.864 hectares), enquanto as terras indígenas ocupavam 14,74% do país (ou 125.545.870 ha), com crescimentos de, respectivamente, 128,20% e 19,09% em relação à 1995.


















Criação de bovinos é atividade principal mais comum

Em 2006, a atividade principal3 dos estabelecimentos agropecuários era a criação de bovinos, identificada em mais de 30% deles. Em seguida, vinham o cultivo de outras lavouras temporárias (que inclui feijão e mandioca), em cerca de 18% dos estabelecimentos; o cultivo de cereais (12%) e a criação de aves (9%). Os estabelecimentos que têm como atividade principal a cana-de-açúcar ficaram com a maior participação no valor da produção agropecuária (14%), seguidos por aqueles que se dedicam prioritariamente ao cultivo de soja (14%), criação de bovinos (10%), cultivo de cereais (9%) e cultivo de outros produtos da lavoura temporária (8%). Os estabelecimentos especializados4 foram responsáveis por 81% do valor da produção agropecuária.

Diminuem áreas de florestas e de pastagens naturais em estabelecimentos agropecuários

Houve uma redução de 12,1 milhões de hectares (-11%) nas áreas com matas e florestas contidas em estabelecimentos agropecuários, assim distribuídos: menos 6,8 milhões de hectares na região Norte, concentrados em Rondônia (2,5 milhões de hectares) e Pará (4,1 milhões de hectares); redução de 2,5 milhões de hectares no Nordeste; de 331 mil hectares no Sudeste; e de 3,2 milhões de hectares no Centro-Oeste, concentrados em Mato Grosso (menos 4,3 milhões de hectares).

Também houve diminuição de 20,7 milhões de hectares (26,6%) nas áreas de pastagens naturais. O Norte teve redução de 3,7 milhões de hectares, concentrados em Tocantins (-2,9 milhões de hectares) e Roraima (-844 mil hectares); o Nordeste sofreu redução de 3,9 milhões de hectares, concentrados na Bahia (-2,7 milhões) e Maranhão (-692 mil); o Sudeste passou a ter menos 6,4 milhões de hectares, concentrados em Minas Gerais (-6,4 milhões); o Sul teve redução de 2,8 milhões de hectares concentrados no Rio Grande do Sul (-2,2 milhões); e o Centro-Oeste passou a ter menos 3,7 milhões de hectares, concentrados em Mato Grosso (-1,8 milhão) e Goiás (-2,0 milhões).

Pastagens plantadas expandem-se para o Norte, e lavoura aumenta mais no Centro-Oeste

Houve um pequeno aumento, de 1,7 milhão de hectares (1,8%), da área total de pastagens plantadas, porém ele não se deu por igual. A área cresceu 5,8 milhões de hectares (39,7%) na região Norte, sobretudo em Rondônia (1,9 milhão de hectares ou 75,8%) e no Pará (3,2 milhões de hectares ou 55,3%). Na região Nordeste, o aumento foi de 2,4 milhões de hectares (20,1%), concentrados no Maranhão (1,1 milhão de hectares ou 38,2%) e na Bahia (1,0 milhão de hectares ou 15,9%). Nas demais regiões, entretanto, verificou-se redução.

Em relação às áreas de lavouras, observou-se aumento em todas as regiões, com ganho total de 9,7 milhões de hectares (19,4%). No Norte, verificou-se mais 1,1 milhão de hectares, um aumento de 37,3%, com destaque para o Amazonas (560 mil hectares ou 184,2%). Na região Nordeste, o aumento foi de 725 mil hectares (5%), com os maiores incrementos no Maranhão (609 mil hectares ou 33,1%), Piauí (138 mil ou 11,4%), Pernambuco (223 mil ou 15,2%) e Bahia (347 mil hectares ou 7,2%). No Sudeste houve aumento de 1,5 milhão de hectares (cerca de 13%) nas áreas de lavoura, com destaque para Minas Gerais (aumento de 273 mil hectares ou 5,6%) e São Paulo (1,3 milhão de hectares ou 25,4%). Na região Sul, o aumento foi de 1,5 milhão de hectares (11,9%), concentrados no Paraná (979 mil hectares ou 17,9%) e Rio Grande do Sul (625 mil hectares ou 9,96%). Em ambas as regiões, o aumento verificado nas áreas de lavouras foi decorrente da migração das áreas de pastagens.

O Centro-Oeste registrou o maior aumento de áreas destinadas a lavouras: 4,7 milhões de hectares (63,9%), e todos os estados tiveram crescimentos importantes: Mato Grosso do Sul, 681 mil hectares (45,4%); Mato Grosso, 2,87 milhões de hectares (83,5%); Goiás, com 1,1 milhão de hectares (48,3%); e Distrito Federal, com aumento de 26 mil hectares (37,1%).

Censo Agropecuário 2006 revela que concentração de terras diminuiu em quase 50% dos municípios

Os resultados do Censo Agropecuário 2006 mostram que a estrutura agrária brasileira, caracterizada pela concentração de terras em grandes propriedades rurais não se alterou nos últimos vinte anos. A manutenção da desigualdade na distribuição de terras expressa-se na comparação das informações nos três últimos censos agropecuários: Na comparação entre 1985, 1995 e 2006, as propriedades com menos de 10 hectares ocupavam, apenas, 2,7% (7,8 milhões de hectares) da área total dos estabelecimentos rurais, enquanto os estabelecimentos com mais de 1.000 hectares concentravam mais de 43% (146,6 milhões de hectares) da área total em ambos os três censos agropecuários. Focalizando-se o número total de estabelecimentos, cerca de 47% tinham menos de 10 hectares, enquanto aqueles com mais de 1.000 hectares representavam em torno de 1% do total, nos censos analisados.









Também é a mesma, a estrutura das propriedades intermediárias (10 a menos de 100 hectares e de 100 a menos de 1.000 hectares). Enquanto os estabelecimentos de 10 a menos de 100 hectares concentravam, respectivamente, 37,2%, 39,4% e 38% da área total dos estabelecimentos agropecuários, nos censos agropecuários de 1985, 1995 e 2006, a participação destas propriedades quanto ao número total de estabelecimentos variou de 18,5% em 1985, para 17,7% em 1995 e, finalmente, 19% em 2006. No que se refere às propriedades de 100 a menos de 1.000 hectares, esta variação passou de cerca de 35%, em 1985 e 1995, para 34% em 2006; quanto à área ocupada, em relação ao total da área dos estabelecimentos, a variação foi de cerca de 9%, nos dois censos, para 8,2%, em 2006.

Quando se analisa a evolução do Índice de Gini, calculado a partir da área total do estabelecimento, segundo os municípios, observa-se que houve redução deste indicador em 2.360 municípios, porém, a estrutura agrária ainda reflete, em grande parte, os processos e formas que presidiram a ocupação diferenciada do território nacional.

Mais de 80% dos produtores agropecuários são analfabetos ou não concluíram ensino fundamental

O Censo Agropecuário 2006 revela o baixo nível de escolaridade dos produtores agropecuários. A grande maioria deles são analfabetos ou sabem ler e escrever, mas não têm nenhum estudo (39%) ou têm ensino fundamental incompleto (43%), totalizando mais de 80% dos produtores rurais. Entre as mulheres, que respondem por cerca de 13% dos estabelecimentos agropecuários, o analfabetismo chega a 45,7%, enquanto entre os homens, essa taxa é de 38,1%. As taxas para os outros níveis de ensino são: 8%, para ensino fundamental completo, 7% para técnico agrícola ou nível médio completos, e apenas 3% com nível superior.

As regiões Norte (38%) e Nordeste (58%) concentram os maiores percentuais de produtores analfabetos ou sem nenhum ano de estudo, enquanto Centro-Oeste (13%) e Sudeste (11%) têm os maiores percentuais de produtores com técnico agrícola ou ensino médio completo.

Declararam que têm atividade econômica fora do estabelecimento agropecuário 1.479.362 produtores (28,5% do total), sendo 46% em atividade agropecuária e 50% em atividade não agropecuária. O mesmo acontece com os moradores no estabelecimento com laços de parentesco com o produtor: 20% destes tiveram alguma atividade fora do estabelecimento, dos quais a maioria (61,6%) em atividades não agropecuárias.



















Orientação técnica chega a apenas 22% dos estabelecimentos, e é mais comum nos médios e grandes

O Censo Agropecuário 2006 revela que a orientação técnica continua muito limitada, sendo praticada em 22% dos estabelecimentos, que ocupam 46% das terras. A área média do grupo que recebeu assistência é 228 hectares; enquanto a dos não assistidos é 42 hectares. A orientação técnica de origem governamental atinge 43% dos estabelecimentos assistidos e está mais voltada para os estabelecimentos menores, com área média de 64 hectares.

Em toda a região Norte e Nordeste, houve avanço em relação à orientação técnica de origem governamental, o mesmo ocorrendo em Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Distrito Federal. Contrariamente ao ocorrido nestes estados, houve significativa redução de produtores que declararam receber orientação técnica nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Goiás, o que pode ser uma sinalização de declínio nos serviços de Extensão rural nestes Estados. Os estabelecimentos que têm orientação técnica particular ou do próprio produtor (quando este é um profissional qualificado) têm área média de 435 hectares. As empresas privadas de planejamento atendem a estabelecimentos com maior área média (506 hectares).

O nível de instrução da pessoa que dirige o estabelecimento tem uma forte relação com o recebimento de orientação técnica. Dos produtores com instrução igual ou inferior ao ensino médio incompleto, apenas 16,8% receberam assistência técnica, enquanto que para os produtores com ensino fundamental completo este percentual sobe para 31,7%. Para os produtores com nível superior, excetuando-se aqueles com formação em ciências agrárias e veterinária, a assistência técnica alcança 44,7% dos estabelecimentos.

Soja foi a cultura que mais cresceu (88%) nos últimos dez anos

A incorporação de grandes extensões de terras das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste pela agricultura bem como a intensificação da ocupação de terras no Sul e Sudeste são as mudanças principais nesta atividade, na comparação entre os últimos Censos Agropecuários. Destaque para as culturas de soja e algodão herbáceo no Mato Grosso, incluindo uma expansão em direção à Amazônia. Outro fenômeno foi a expansão de culturas comerciais no sudoeste de Goiás, Distrito Federal e do cerrado mineiro.

No período 1995/2006, a soja apresentou um aumento de 88,8% na produção, alcançando 40,7 milhões de toneladas, em 15,6 milhões de hectares, com um aumento de 69,3% na área colhida. Em termos absolutos, representa um aumento de 6,4 milhões de hectares, caracterizando a soja como a cultura que mais se expandiu na última década. Grande parte desta área pertence à região Centro-Oeste.

A cultura da soja, principal produto agrícola na pauta das exportações brasileiras, foi cultivada em 215.977 estabelecimentos, gerando R$ 17,1 bilhões para a economia brasileira. Segundo o Censo Agropecuário 2006, o Mato Grosso foi o maior produtor nacional de soja, com 10,7 milhões de toneladas, o que representou 26,2% da produção brasileira em 2006.

Com o objetivo de reduzir os custos de produção, os produtores optaram pelo cultivo da soja transgênica no Brasil: 46,4% dos estabelecimentos agropecuários que cultivaram soja em 2006 utilizaram sementes geneticamente modificadas, que foram cultivadas em cerca de 4,0 milhões de hectares. Também foi utilizada uma grande quantidade de semente certificada (44,6%) e, em 96,8% da área, a colheita foi realizada de forma totalmente mecanizada. Na maior parte das áreas cultivadas também foram feitos uso de agrotóxicos (95,1%) e adubação química (90,1%).

Algodão herbáceo tem maior aumento relativo de produção (188,6%)

Os 13.290 estabelecimentos que cultivaram o algodão herbáceo em 2006 produziram 2,4 milhões de toneladas, em 786.974 hectares colhidos, atingindo R$ 3,2 bilhões. O algodão herbáceo foi o produto que apresentou o maior aumento relativo de produção (188,6%).

O avanço tecnológico propiciou um acréscimo de 124,0% no rendimento médio das lavouras, e o Mato Grosso passou a ser o principal produtor nacional, com mais de 1,2 milhões de hectares, sendo responsável por mais da metade da produção nacional (52,4%). A fibra produzida no estado está entre uma das melhores do mundo.

O Oeste baiano também se transformou em um dos importantes pólos de produção de algodão herbáceo, tanto que em 2006 apresentou um rendimento médio 17,8% superior ao Mato Grosso. Neste ano, a produção baiana foi responsável por 27,2% da produção nacional.

Rendimento médio da produção de milho cresce 144,3%, nos últimos dez anos

Com o desenvolvimento de novas variedades híbridas que respondem melhor à adubação e são mais resistentes a pragas e doenças, o rendimento médio da produção de milho, que em 1985 foi de 1.476 kg/ha, atingiu 3.606 kg/ha em 2006, um crescimento de 144,3%. Em 2006, o milho foi cultivado em cerca de 2,0 milhões de estabelecimentos que produziram 42,3 milhões de toneladas em 11,7 milhões de hectares, alcançando R$ 11,4 bilhões.

Na última década, período em que o milho apresentou maior crescimento, a cultura teve grandes incrementos de produtividade (47,7%), bem superior à soja (11,5%). O aumento da produtividade, juntamente com o aumento de 12,2% na área colhida, proporcionou um crescimento de 65,7% na produção nacional de milho.

Colheita do arroz foi manual em 91,7% dos estabelecimentos

Em 2006, o arroz foi cultivado em 396.628 estabelecimentos agropecuários, que produziram 9,4 milhões de toneladas, um recorde nacional à época, gerando R$ 4,0 bilhões. Foram colhidos 2.409.587 hectares, sendo que destes, apenas 8,9% foram irrigados, porém sendo responsáveis por 71,2% da produção nacional. O crescimento da produtividade que a lavoura conseguiu na última década foi de 44,6%, compensando a redução da área colhida com a cultura, que foi de 18,8%. Em 91,7% dos estabelecimentos, a colheita foi realizada de forma manual.

O arroz irrigado se destaca na Região Sul, mais especificamente no Rio Grande do Sul, que em 2006 foi responsável por mais da metade da produção nacional. O arroz de sequeiro5 é cultivado em vários estados brasileiros, especialmente no Centro-Oeste, porém, a redução na área nos últimos anos tem diminuído a importância da cultura na Região.

Produção de cana-de-açúcar gera R$ 19,6 bi em 2006, o maior valor alcançado por uma cultura

A tecnologia dos motores bicombustíveis contribuiu para um crescimento de 47,9% na produção de cana-de-açúcar no período de 1995 a 2006, atingindo R$ 19,6 bilhões em 2006, o maior valor alcançado por uma cultura. A ampliação da capacidade de moagem e o surgimento de novas usinas provocaram um aumento na área colhida em 33,3%, provocando a valorização das terras em várias regiões do país.

Nos últimos anos, a colheita mecanizada vem crescendo e, em 2006, 13,6% da área foi colhida desta forma. Contudo, em 91,6% dos estabelecimentos que respondem por 46,6% da área colhida, a colheita ainda foi realizada de forma totalmente manual.

Área colhida do café reduz 6,9%, mas rendimento médio cresce 35,3% na última década

Em 2006, a produção de café em grão foi de 2,3 milhões de toneladas e atinge um crescimento de 26,0% em relação ao Censo 1995-96. A redução de 6,9% na área colhida foi compensada por um acréscimo de 35,3% no rendimento médio. As condições meteorológicas, em geral favoráveis desde a época da floração, no final de 2005, foram a principal responsável pelos bons resultados de 2006. O Brasil é o maior produtor mundial de café.

O valor da produção alcançou R$ 8,6 bilhões, sendo que deste total, 85,9% foi gerado pelo café arábica, que por ser considerado um produto de qualidade superior, geralmente é melhor remunerado. O café arábica é o mais difundido no Brasil, sendo cultivado em 200.859 estabelecimentos agropecuários, o que representa 70% dos estabelecimentos que produzem café no Brasil. A maior parte dos estabelecimentos que cultivam esta espécie está localizada em Minas Gerais (52,2%), sendo responsáveis por 65,0% da produção nacional de café arábica.

O café canephora foi cultivado em 85.984 estabelecimentos, que ocuparam 395.560 hectares, produzindo R$ 1,2 bilhões, para uma produção de 471.037 toneladas.A maior parte dos estabelecimentos que cultivam a espécie canephora está localizada no Espírito Santo (41,1%), sendo responsáveis por 59,7% da produção nacional. Rondônia também possui uma expressiva quantidade de estabelecimentos cultivando esta espécie de café (29.638), que produziram 66.832 toneladas em 136.214 hectares.

Produção de laranja e cacau cai e cultura de mandioca não apresenta ganho de produtividade

Entre os produtos em destaque, apenas a mandioca não apresentou ganhos de produtividade em relação ao Censo Agropecuário de 1995 (-20,4%), porém sua produção aumentou 76,9%, em função do aumento da área colhida. Já o cacau e a laranja foram os produtos que apresentaram redução na produção de 17,7% e 25,2%, respectivamente. A principal causa foi a redução nas áreas, que encolheram 24,1% e 37,0%, respectivamente.

Cerca de 70% dos estabelecimentos tinham produção animal em 2006

A pecuária foi a atividade econômica principal na maior parte dos estabelecimentos agropecuários pesquisados pelo censo, representando 44% do total de estabelecimentos estes com 62% de sua área total. Cerca de 70% dos estabelecimentos tinham produção animal, com valor da produção correspondendo a 21,2% da produção total.

Os dados do Censo Agropecuário 2006 refletiram as mudanças ocorridas no setor, a partir do fim dos anos 90, com a reestruturação da cadeia produtiva de carnes, a adoção de tecnologias e uma maior profissionalização que culminaram na liderança brasileira no mercado internacional de carnes de frango e bovina. O país se tornou o 4º maior exportador mundial de carne suína em 2006. A participação das exportações de carne bovina na produção nacional de carcaça passou de 1,2%, em 1996, para 17,8%, com aumento da exportação e a conquista de novos mercados, o mesmo para a carne suína e de frango.

Na última década, rebanho bovino cresce 12,1% e Pará registra maior aumento (119,6%)

O rebanho bovino brasileiro era de 171,6 milhões de cabeças em 31.12.2006; um crescimento de 12,1% em relação ao Censo Agropecuário de 1996, ressalvando-se que há uma diferença de datas de referência (em 1996, foi 31.07.1996). Havia 2.673.176 estabelecimentos com bovinos em 31.12.2006, sendo que foram contados 534.630 estabelecimentos que na referida data possuíam mais de 50 cabeças, totalizando 138,5 milhões destes animais (80,7% do rebanho total).O maior rebanho bovino encontrava-se em Mato Grosso do Sul (20,4 milhões de cabeças), seguido por Minas Gerais (19,9 milhões) e Mato Grosso (19,8 milhões).

O Pará foi o estado que apresentou o maior crescimento relativo do rebanho bovino no período 1996-2006 (119,6%), e o Rio Grande do Sul a maior redução (-15,4%). Na Região Norte, Amapá foi o único que apresentou redução do efetivo bovino e, no Nordeste, apenas do Maranhão e da Bahia não registram queda, onde estão os dois maiores rebanhos da Região. A média do Nordeste só foi positiva graças ao aumento de 44,3% no rebanho do Maranhão, que cresceu 1,7 milhão de cabeças nestes dez anos.

Os maiores aumentos dos efetivos bovinos entre os censos foram nas Regiões Norte (81,4%) e Centro-Oeste (13,3%). As reduções do número de estabelecimentos com bovinos e dos rebanhos do Sul e do Sudeste mostram que a bovinocultura deslocou-se do Sul para o Norte do país, destacando-se, no período, o crescimento dos rebanhos do Pará, Rondônia, Acre e Mato Grosso. Nestes três estados da região Norte, o rebanho mais que dobrou, enquanto que em Mato Grosso o aumento foi de 37,2%.

O crescimento do rebanho bovino nacional ocorreu simultaneamente com a redução da área de pastagens (-10,7%) dos estabelecimentos agropecuários, indicando um aumento de produtividade das pastagens. A taxa de lotação em 1996 era de 0,86 animais/ha e foi de 1,08 animais/ha em 2006, acentuando-se a tendência de aumento da taxa de lotação observada entre os censos.

Do efetivo de 138,5 milhões de animais em estabelecimentos com mais de 50 cabeças, a principal finalidade da criação é corte (80,9% ou 112,0 milhões de animais), seguida da finalidade leite (16,3% ou 22,6 milhões de cabeças). Os estabelecimentos agropecuários com pelo menos 500 hectares de pastagens detinham 46,2% do rebanho de 138,5 milhões de animais. O total de animais vendidos declarados pelos estabelecimentos agropecuários foi de 34,6 milhões de cabeças.

A produção de leite tem crescido continuamente desde 1970, e ultrapassou os 20 bilhões de litros em 2006, sendo 12,4% superior à produção obtida no censo 1995/96. Houve redução no total de vacas ordenhadas, o que significa um aumento de produtividade da pecuária leiteira em 22,1%, de 1.307 l/vaca/ano em 1995/96 para 1.596 l/vaca/ano em 2006. 1,35 milhões de estabelecimentos declararam produção de leite de vaca em 2006, sendo o principal produto da pecuária em valor da produção (R$ 8,818 bilhões). Minas Gerais foi o maior produtor nacional de leite, com 27,9% da produção total, superior à soma da produção das Regiões Nordeste e Centro-Oeste. A seguir, estão Rio Grande do Sul (a maior produtividade: 2.501 litros/vaca/ano), Paraná e Santa Catarina.

Volume de suínos vendidos aumenta 197% e efetivo de aves dobra entre os últimos censos

O efetivo nacional de suínos, que vinha declinando desde o Censo Agropecuário de 1980, cresceu 14,9% em relação ao Censo de 1996. Em 1996, o Brasil exportou 4,5% da produção de carcaça suína, e 21,1% em 2006. Em 2006, o efetivo de suínos foi ligeiramente superior (2,3%) ao de 1985, mas o volume de animais vendidos (43,2 milhões de cabeças) foi 197% superior ao de 1985 (14,5 milhões de cabeças). Isso graças ao investimento dos suinocultores em genética, manejo, nutrição e sanidade animal para aumentar a precocidade e produtividade, atendendo às demandas interna e externa.

Em dez anos, o efetivo de aves (galinhas, galos, frangos, frangas e pintos) dobrou de tamanho, ultrapassando a marca do bilhão de animais alojados na data de referência (31.12.2006). Apesar deste aumento no efetivo, a relação vendidos/efetivo em 2006 apresentou uma reversão da tendência de aumento observada desde o Censo de 1970. Esta queda da razão de vendas está relacionada com a descoberta de focos da gripe aviária na Ásia, Europa e em alguns países africanos em 2006.

A produção de ovos de galinha cresceu mais de um bilhão de dúzias em relação ao último censo, atingindo 2,83 bilhões de dúzias. Havia 2,71 milhões de estabelecimentos agropecuários com existência de galináceos, mas apenas 1,66 milhões declararam produção de ovos. Destes, 30.641 estabelecimentos possuíam mais de 2.000 cabeças e alojavam 1,31 milhões de cabeças em 31.12.2006.

Estabelecimentos agropecuários empregavam 18,9% dos trabalhadores do país

Em 31.12.2006, segundo o Censo Agropecuário 2006, havia 16.567.544 pessoas ocupadas nos estabelecimentos agropecuários (incluindo produtores, seus familiares e empregados temporários ou permanentes), que correspondiam a 18,9% da população ocupada no país, (87.628.961 pessoas, segundo a PNAD 2006). Daquele total, 30,5% eram de mulheres. Com a urbanização do país, o pessoal ocupado nesses estabelecimentos vem se reduzindo. Entre os dois últimos censos agropecuários, a redução foi mais acentuada entre 1985 e 1995 (-23,3%) do que entre 1995 e 2006 (-7,2%).

Cerca de 4,6 milhões dos trabalhadores em estabelecimentos agropecuários eram analfabetos

Analisando-se somente o pessoal com alguma relação de parentesco com o produtor, e de acordo com as declarações prestadas ao Censo Agropecuário de 2006, foram encontrados 4.564.384 de ocupados (ou 35,7%) nos estabelecimentos agropecuários que não sabiam ler e escrever. Do total de ocupados em estabelecimentos agropecuários, 6,5% (ou 1.076.890) tinham menos de 14 anos de idade.

Quase 12 milhões trabalharam temporariamente nos estabelecimentos agropecuários em 2006

Excluindo-se as pessoas que não foram contratadas diretamente pelo produtor (como no caso das empreiteiras), o Censo Agropecuário de 2006 encontrou 11.846.503 pessoas que trabalharam de modo temporário, até 180 dias no ano, sendo 3.844.459 com laço de parentesco com o produtor.

A atividade com mais trabalhadores temporários era a Pecuária e criação de outros animais (5,055 milhões). Produção de lavouras temporárias (4 milhões) e Produção de lavouras permanentes (1,9 milhão) vinham a seguir e, ainda, Horticultura e floricultura (435, 9 mil), Produção florestal – florestas nativas (191 mil), Produção florestal – florestas plantadas (157,8 mil), Aqüicultura (52,8 mil), Pesca (11,8 mil) e Produção de sementes, mudas e outras formas de propagação vegetal (10,8 mil).

Nos pequenos estabelecimentos estão quase 85% dos trabalhadores

Embora a soma de suas áreas represente apenas 30,31% do total, os pequenos estabelecimentos responderam por 84,36% das pessoas ocupadas em estabelecimentos agropecuários. Mesmo que cada um deles gere poucos postos de trabalho, os pequenos estabelecimentos (área inferior a 200 ha) utilizam 12,6 vezes mais trabalhadores por hectare que os médios (área entre 200 e inferior a 2.000 ha) e 45,6 vezes mais que os grandes estabelecimentos (área superior a 2.000 ha).

Produtores e seus parentes representavam 77% (ou 12.801.179) do total de ocupados nos estabelecimentos agropecuários. Por serem mais numerosos, os estabelecimentos que têm a pecuária como atividade principal utilizam mais gente, ainda que não sejam os mais extensivos em mão de obra.

Lavouras permanentes empregavam 110 pessoas por cada mil hectares em 2006

Considerando a relação de pessoas ocupadas por área, apenas os estabelecimentos cuja atividade era floresta plantada (26,6 pessoas ocupadas/1000 hectare) tinham valor inferior à pecuária (27,3 po/1000 hectare). As lavouras permanentes tinham a maior proporção (110 po/1000 hectare). Em um nível mais detalhado, a soja (18,1 po/1000 hectare ) e o café (162,0 po/1000 hectare) estavam nos extremos inferior e superior, respectivamente.

Apenas 1,8% dos estabelecimentos agropecuários praticavam agricultura orgânica

Os estabelecimentos produtores de orgânicos representavam 1,8% (ou 90.425) do total de estabelecimentos agropecuários. Dedicavam-se, principalmente, à pecuária e criação de outros animais (41,7%), às lavouras temporárias (33,5%), à lavoura permanente (10,4%), à horticultura/floricultura (9,9%) e à produção florestal (3,8%).

O Censo Agropecuário 2006 investigou, pela primeira vez, a agricultura orgânica. O estabelecimento deveria informar se a praticava e se sua produção era certificada.6 Não foram consideradas orgânicas as práticas agrícolas que, apesar de não utilizarem agroquímicos, não foram identificados como tal pelo produtor ou, ainda, se este desconhecia as normas técnicas exigidas pelas instituições certificadoras.

Orgânicos predominam na horticultura e fruticultura

A proporção de estabelecimentos produtores de orgânicos no total de estabelecimentos no Brasil mostrou que a representatividade de orgânicos é maior na horticultura/ floricultura.

Em 2006, entre os agricultores dedicados à agricultura orgânica no Brasil, 77,3% eram proprietários das terras exploradas, 41,6% possuíam ensino fundamental incompleto e 22,3% eram analfabetos. Daquele total, 54% não participava de qualquer organização social e, entre os que o faziam, 36,6% ligavam-se a associações e sindicatos, e apenas 5,9% a cooperativas.












920 mil estabelecimentos obtiveram financiamentos, 91% destes receberam financiamento de bancos e 85% receberam de programas governamentais

Dos 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários, 4,3 milhões não obtiveram financiamento em 2006. A falta de necessidade (51,92%), o medo de contrair dívidas (20,65%) e o empecilho da burocracia (8,36%) foram os principais motivos declarados. Destes, 3,63 milhões (85,42%) tem área total inferior a 100 hectares. O total de recursos obtidos em forma de financiamento em 2006, foi de 21 bilhões de reais. Os estabelecimentos com 1.000 ou mais hectares captaram 43,6% dos recursos, mesmo representando apenas 0,9% do total de estabelecimentos que obtiveram financiamentos. Aqueles com até 100 hectares representaram 88,5% dos que obtiveram financiamento em 2006, captando 30,42% dos recursos. Já os estabelecimentos de porte médio (entre 100 e 1000 hectares) representam 7,72% dos que obtiveram financiamento, captando 25,69% desses recursos.

Os estabelecimentos pesquisados declararam R$ 20,96 bilhões em investimentos. 26,06% disseram ter investido em Bens Imóveis, 20,06% em Máquinas, implementos ou tratores (ligados à mecanização rural) e 15,19% em terras adquiridas. O segmento que mais investiu foi o dos estabelecimentos pequenos (R$ 7,77 bilhões), seguido pelos grandes (R$ 7,32 bilhões) e médios (R$ 5,85 bilhões). São Paulo foi a Unidade da Federação com mais investimentos, R$ 3,70 bilhões. Por último estava o Amapá, com 650 milhões.

Dos estabelecimentos que receberam financiamento, 85% tiveram como uma das fontes algum programa governamental –com 57,6% dos recursos. Destes estabelecimentos, 80% receberam recursos do PRONAF, responsável por 32,07% dos recursos financiados no ano. No total, 65,75% (R$ 8,15 bilhões) dos recursos de financiamento vieram de outros programas (Federal, Estadual ou Municipal). Declararam ter recebido tais recursos 19,73% dos estabelecimentos.

Daqueles que declararam ter recebido financiamento, 91% apontaram os bancos como uma das fontes de recursos. Eles representam 78,3% do total de recursos. Dos produtores que declararam ter obtido financiamento, 79,7% eram proprietários das terras – eles captaram 86,07% dos recursos. Os arrendatários eram 4,89% dos produtores que obtiveram financiamento (10,31% dos recursos).

Metade dos estabelecimentos que obtiveram financiamento (492.628) declararam ter como finalidade o custeio. A finalidade “Investimento” aparece em segundo lugar, com 40,15% (395.425). Já a manutenção do estabelecimento foi declarada por 8,75% dos estabelecimentos.
















Produção agropecuária somou R$ 147 bilhões em 2006

Os estabelecimentos pesquisados obtiveram um Valor da Produção Total de R$ 147,26 bilhões, dos quais 77,07% (R$ 113,49 bilhões) oriundos da Produção Vegetal. Na produção vegetal, 64,61% (R$ 73,32 bilhões) foram obtidos pelas culturas de Lavoura Temporária, 22,25% pelas de Lavoura Permanente, 7,55% pela Silvicultura, 3,85% pela Horticultura, 1,18% pela Extração Vegetal e 0,56% pela Floricultura.

Já o valor na Produção Animal ficou concentrada nas atividades ligadas aos Animais de Grande Porte, responsável por 44,71% (R$ 13,64 bilhões) da Produção Animal Total. Em seguida, aparece a produção de Aves, com 34,56% (R$ 10,54 bilhões). Os animais de médio porte e os pequenos animais obtiveram 17,01% e 3,72%, respectivamente.

Em 2006, a receita somou R$ 122,63 bilhões. Os pequenos (área inferior a 100 hectares) geraram 47,13% deste total (R$ 57,79 bilhões), acima dos 25,49% (R$ 31,25 bilhões) dos médios e 26,62% dos Grandes (R$ 32,64 bilhões). Quando a variável em questão é a despesa, que somou R$ 111,29 bilhões no ano, há inversão: os grandes (área superior a 1.000 hectares) responderam por 38,29% (R$ 42,61 bilhões), os médios por 33,97% (R$ 37,81 bilhões) e os pequenos por 27,43% (R$ 30,52 bilhões).

A conta “Receitas Totais menos Despesas Totais” não pode ser realizada para indicar a lucratividade dos estabelecimentos grandes e médios, pois grande parte da Receita se relaciona ao Plantio da Safra de 2006 e a despesa é feita para o plantio a ser colhido na safra seguinte. Já o grupo dos pequenos, com despesas menos afetadas pela conjuntura (câmbio, preços das comodities, etc), é formado por estabelecimentos onde os gastos de um ano ao outro tendem a ser mais estáveis, e apresentaram diferença de R$ 27,27 bilhões entre receitas e despesas.

Dos produtores recenseados, 2.044.976 declararam ter receita externa às atividades do estabelecimento. Deles, 47,73% receberam recursos de aposentadorias e pensões, 34,91% receitas provenientes de programas especiais do Governo e 31,66% salários obtidos em atividade fora do estabelecimento. Dos que receberam receita oriunda de programas especiais do Governo, 74,79% são produtores cujos estabelecimentos se localizam no Nordeste. Nesta região também viviam 50,49% (492 mil) dos que declararam ter tido receitas oriundas de Aposentadorias ou Pensões. Eles captaram 45,27% dos recursos (R$ 2,62 bilhões).

68% dos estabelecimentos têm energia elétrica, aumento de mais de 80% no período 1995/1996-2006

Em 1996, dos 4,85 milhões de estabelecimentos agropecuários brasileiros, 39% informaram possuir energia elétrica originada de pelo menos uma modalidade (gerada no estabelecimento, obtida por cessão ou comprada de distribuidora). Em 2006, mesmo com incremento de 6,5% no número de estabelecimentos (5,17 milhões), 68,1% deles (3,52 milhões) atestaram possuir energia elétrica obtida de pelo menos uma modalidade.

O maior crescimento de utilização (41,6 pontos percentuais) ocorreu no Nordeste, onde a energia elétrica chegou a 1,5 milhão de estabelecimentos rurais (61,5% do total da região). O Norte vem em seguida, com incremento de 27,4 pontos percentuais em relação a 1996, onde a energia elétrica chegou a 38% dos estabelecimentos. As unidades que dispõem de energia elétrica no Centro-Oeste são 73,1% do total, e seu crescimento percentual em relação a 1995-96 ficou em 21,2 pontos percentuais. Já as Regiões Sudeste e Sul apresentaram incrementos de 20,5 e 10,3 pontos percentuais, culminando em 82,3% e 84% a proporção de uso de energia elétrica nos estabelecimentos agropecuários.

A energia elétrica comprada de distribuidora está presente em 3,25 milhões de estabelecimentos (92,4% do total com energia); em 7,7% há energia elétrica obtida por cessão e em 2,1% a energia elétrica é gerada na propriedade. A região Nordeste destaca-se em relação ao conjunto de estabelecimentos que praticam a geração de energia elétrica na propriedade: seus 32mil estabelecimentos correspondem a 43,3% do total. A geração de energia no próprio estabelecimento agropecuário ocorria através de captação de luz solar, pelo vento, por movimentação hidráulica, por queima de combustíveis, ou mesmo por outras fontes, e era mais praticada no Norte: 159 para 1.000 registros de energia obtida de fonte externa. No Centro-Oeste, 30 ocorrências em 1.000, e no Nordeste, pouco mais de 21,6 ocorrências para cada 1000. Quanto à modalidade de geração de energia no estabelecimento, a preferência era pela obtenção através da captação de luz solar, que ocorria em 42,7% dos estabelecimentos rurais brasileiros dotados desta facilidade. Seguem-se a queima de combustíveis (40,6%) e a obtida por ação hídrica (em 9,4% dos estabelecimentos geradores). A geração de energia elétrica através de captação do vento está presente em 273 estabelecimentos agropecuários brasileiros, destacando-se a Região Nordeste (60,4% das unidades geradoras).

Mecanização avança através da terceirização

Em 31 de dezembro de 2006, 530 mil estabelecimentos (10,2% do total) tinham tratores, num total de 820 mil unidades. Em relação a 1995-1996, houve incremento de 20 mil unidades, 2,6%. O aparente pequeno aumento na realidade é explicado pela substituição de tratores de menor potência (menos de 100 cv) por tratores de maior potência: em 1995-1996, 674 mil tratores (84,3% do total) eram de menos de 100 cv. Em 2006; a categoria de 100 cv e mais somou 250 mil unidades, aumento de 99,4% nesta categoria.

Do 1,56 milhão de estabelecimentos que declarou utilizar força mecânica, apenas 59,6% usavam força de procedência própria. Do total, 30,9% (484 mil) declararam usar força mecânica de serviço contratado com o operador; 5,3% cedida por terceiros, 6% cedida por governos, 4,7% cedida por empreiteiros, 4,1% de uso comunitário e 3,4% advinda de aluguel. Os números indicam o incremento da terceirização na mecanização da agropecuária, e que apenas o total de tratores existentes nos estabelecimentos não pode ser usado para explicar os avanços da mecanização rural.

Irrigação: aumento de 39% no número de estabelecimentos que utilizam e 42% na área irrigada

Quanto ao uso de irrigação, 6,3% dos estabelecimentos declararam utilizar esta técnica, acusando um aumento de 39% no número de estabelecimentos agropecuários praticantes, em relação ao Censo anterior, apontando um aumento de 1,3 milhão de hectares (42%).A área irrigada compreendia 4,45 milhões de ha (7,4% da área total em lavouras temporárias e permanentes), com a seguinte distribuição: 24% da área irrigada no método de inundação, 5,7% por sulcos, 18% sob pivô central, 35% em outros métodos de aspersão, 7,3% com métodos localizados e 8,3% com outros métodos ou molhação. Minas Gerais era o estado com maior número de estabelecimentos (48,39 mil) utilizando alguma técnica de irrigação, enquanto o Amapá aparecia em último, com 251 estabelecimentos. Quanto à fonte da água, 74,8% declararam utilizar fontes do próprio estabelecimento (69,5% da área total irrigada); 15,5% declararam utilizar fontes de fora do estabelecimento bombeada com equipamento próprio (28,4% da área) e 7,1% obtida de terceiros através de projetos particulares ou comunitários de irrigação (6,3% da área).

Mais da metade dos estabelecimentos onde houve utilização de agrotóxicos não recebeu orientação técnica

Os estabelecimentos dirigidos há 10 anos ou mais pelo mesmo produtor (3,16 milhão ou 61,1%) são os que mais utilizam agrotóxicos (922 mil ou 66,1%). E à medida que aumenta o número de anos que o produtor dirige o estabelecimento, aumenta também o número de estabelecimentos que usam agrotóxicos.

Há também pouca rotação de culturas entre os estabelecimentos (641 mil ou 12,4%), principalmente se considerarmos que mais da metade deles não recebem assistência técnica para a aplicação desta prática (351 mil ou 54,9%). Práticas alternativas, como controle biológico (67 mil ou 1,3%), queima de resíduos agrícolas e de restos de cultura (45 mil ou 0,9%), uso de repelentes, caldas, iscas, etc. (405 mil ou 7,8%), que poderiam gerar redução no uso de agrotóxicos, também são pouco utilizadas.

A maioria dos estabelecimentos onde houve utilização de agrotóxicos não recebeu orientação técnica (785 mil ou 56,3%), e apenas 21,1% (294 mil) a receberam regularmente. Na correlação entre os estabelecimentos que usaram agrotóxicos e o total de estabelecimentos de acordo com a origem da orientação técnica, o destaque é para as empresas integradoras (127 mil ou 83,1%), que se caracterizam pelo emprego de tecnologias e insumos conceituados como modernos, entre estes os agrotóxicos. O estado com maior número de estabelecimentos que utilizavam agrotóxicos era o Rio Grande do Sul (273,85 mil). Já o Amapá tinha apenas 235 estabelecimentos utilizando agrotóxicos.

É significativo o número de estabelecimentos que recebem orientação técnica das cooperativas e usam agrotóxicos (172 mil ou 76,7%). Considerando-se a condição do produtor em relação às terras, os estabelecimentos dirigidos por proprietários predominam (1,07 milhão ou 78,4%) utilizando principalmente o pulverizador costal (745 mil ou 69,1%) e o equipamento de tração mecânica e/ou animal (322 mil ou 29,9%).

O pulverizador costal, que é o equipamento de aplicação que apresenta maior potencial de exposição aos agrotóxicos, destaca-se também, em relação aos estabelecimentos que utilizam agrotóxicos, correspondendo à maioria deles (973 mil ou 70,7%). Quanto ao destino das embalagens vazias, embora haja um número ainda considerável de estabelecimentos que deixam-nas no campo (126 mil ou 9,0%), há aquelas que são queimadas ou enterradas em 358 mil estabelecimentos (25,7%).

Em cerca de 20% das propriedades que aplicaram agrotóxicos não se utilizava equipamento de proteção

Ganhou dimensão o programa de recolhimento de embalagens vazias, gerenciado pelo Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (Inpev). Dos estabelecimentos, 538 mil (38,6%) devolviam as embalagens vazias aos comerciantes. Outro reflexo do programa pode ser verificado nos 10,3% de estabelecimentos (143 mil) cujas embalagens eram recolhidas pela prefeitura ou órgãos públicos, ou entregue à central de coleta de embalagens; ou nos 13,3% (185 mil) que depositavam-nas no estabelecimento para serem retiradas. Cerca de 296 mil estabelecimentos (21,3%) não utilizaram nenhum equipamento de proteção individual (EPI). Estabelecimentos que declararam a utilização de Bota (947.651 ou 67,9%) e chapéu (740.488 ou 53,0%) corresponderam à maioria.

Nos estabelecimentos onde houve aplicação de agrotóxicos, 77,6% dos responsáveis (1,06 milhão) pela direção declararam ter ensino fundamental incompleto (1° grau) ou nível de instrução menor. Como as orientações de uso de agrotóxicos que acompanham estes produtos são de difícil entendimento, o baixo nível de escolaridade, incluindo os 15,7% que não sabem ler e escrever (216 mil) está entre os fatores socioeconômicos que potencializam o risco de intoxicação.

______________________

1 Foram registradas, na fase de varredura, 5.219.588 unidades, porém os resultados se referem a 5.175.489 registros válidos; os demais 44.015 (0,84%) foram excluídos devido a recusas de informações por parte do produtor ou, em sua maioria, em razão de registros indevidos (unidades que não se caracterizavam como estabelecimento agropecuário).

2 Na divulgação preliminar do Censo Agropecuário, em dezembro de 2007, foi apresentado o valor de 354.865.534 hectares como área total dos estabelecimentos, sendo que, desse total, 30.709.039 hectares estavam contidos parte em terras indígenas e parte em unidades de conservação. Após as apurações e análises, constataram-se registros indevidos de áreas das unidades de conservação e de terras indígenas como estabelecimentos agropecuários, restando do número inicialmente divulgado o total de 8.433.064 hectares de área de estabelecimentos contidos nestes recortes territoriais, uma redução de 22.255.975 hectares.

3 O Censo não incluiu um quesito que investigasse a atividade principal por meio de pergunta direta ao produtor. Ela foi obtida pela análise das informações sobre a composição da produção e valor de produção informadas.

4 Uma vez estabelecida a atividade principal do estabelecimento agropecuário, ele foi considerado especializado caso o valor de produção do quadro correspondente à sua atividade principal representasse 66% ou mais de seu valor total de produção, considerando a soma do valor da produção animal, da produção vegetal e do valor agregado da agroindústria rural.

5 Arroz de sequeiro é o cultivado sem a utilização de irrigação.

6 A certificação orgânica é um processo de fiscalização das propriedades agrícolas que, pela Lei 10831 de 23/12/2003, é feito por instituições certificadoras ou associações e cooperativas cadastradas no Órgão Colegiado Nacional / MAPA.

Comunicação Social
30 de setembro de 2009

domingo, 19 de abril de 2009

Concentração de terra resiste a ação de governo, diz atlas

O Brasil agrário é um mundo ainda marcado por grandes fluxos migratórios, disputas territoriais e contradições. O moderno e o arcaico convivem nessa parte do País, que abriga 16,4 milhões de pessoas e onde a concentração da propriedade permanece alta, apesar das políticas de redistribuição de terras. É isso o que sinaliza o recém-lançado Atlas da Questão Agrária Brasileira - conjunto de quase 300 mapas, acompanhados de análises, resultante da tese de doutorado do geógrafo Eduardo Girardi, desenvolvida no Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera), da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
A reportagem é de Roldão Arruda e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 13-04-2009.
Poucas vezes um conjunto tão abrangente de informações sobre a questão foi reunido num estudo. Ele mostra que em determinadas partes do Brasil predominam relações trabalhistas avançadas, em termos capitalistas, envolvendo assalariados com altas rendas, enquanto em outras é possível encontrar empregados submetidos a condições de trabalho sub-humanas, semelhantes às da escravidão. Existem zonas de alta produtividade agrícola, com notável índice tecnológico, ao lado de terras sub-exploradas, mantidas como reserva de valor.
A movimentação de dinheiro, tecnologias e pessoas é tão grande que, em dez anos, entre 1996 e 2006, a área de agropecuária na Amazônia Legal cresceu 23 milhões de hectares - vastidão maior que a do território do Paraná. No mesmo período, os assentamentos da reforma agrária receberam 3,2 milhões de pessoas; e, no sentido inverso, 1,5 milhão de brasileiros foram obrigados a deixar o campo, por causa do desaparecimento de seus empregos.
É uma realidade complexa, difícil de ajustar num retrato. Mas é justamente essa a proposta do Atlas, cuja feitura contou com recursos da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Combinando informações conhecidas com outras inéditas e utilizando, exaustivamente, técnicas cartográficas, ele procura flagrar o que ocorre nesse mundo, que abrigava 44% da população do País 30 anos atrás e hoje contém o equivalente a apenas 8,2% do total.
O foco principal de Girardi, que defende franca e abertamente a reforma agrária, é a questão da propriedade da terra. Um dos capítulos mais detalhados do Atlas é o que trata da estrutura fundiária do País - com mapas inéditos sobre a situação dos Estados e municípios. Fica-se sabendo ali que, ao contrário do que acreditam líderes dos movimentos de sem-terra, a propriedade da terra não ficou mais concentrada nos últimos anos. Utilizando os dados disponíveis, Girardi mostra que houve até uma alteração para menos no chamado índice de Gini - critério de avaliação que varia 0 a 1, sendo que quanto mais alto maior é o grau de concentração de terras. Entre 1992 e 2003, o índice nacional baixou de 0,826 para 0,816 - uma variação de -0,010.
Não se trata, porém, de motivo para comemorar. Segundo Girardi, a marca de 0,816 é das mais altas, sinalizando que a terra continua concentrada nas mãos de poucos proprietários. Por outro lado, ela indica também o fracasso das políticas de reforma agrária desenvolvidas por sucessivos governos.
Entre 1979 e 2006, foram criados 7.666 assentamentos da reforma agrária, cobrindo uma área de 64,5 milhões de hectares. Era de se esperar que isso tivesse um impacto maior do que o registrado nos índices de concentração fundiária. Por que não teve? Em entrevista ao Estado, Girardi observou que nenhum dos governos esteve realmente interessado na reforma agrária, preocupando-se sobretudo em conter as pressões dos movimentos sociais e os conflitos no campo.
"Eles fazem isso sem alterar a estrutura fundiária", disse Girardi. Como é possível? Segundo o pesquisador, quem olhar o mapa da estrutura agrária verá que as ocupações de terras ocorrem numa área do País, no Centro-Sul e Nordeste, enquanto os assentamentos são concentrados na Região Norte: "Desde o regime militar, assentam-se pessoas nos confins da Amazônia, com o objetivo de não alterar a estrutura do Centro-Sul."
Outro objetivo dos governos, ao fincar assentamentos na Região Norte, seria engordar estatísticas: "O reconhecimento de posses, antigos projetos de colonização e unidades de conservação de uso sustentável são contados como assentamentos."
Girardi se opõe ao modelo agrário baseado no agronegócio, especialmente o da monocultura de soja, que atingiu seu ápice em Estados como Mato Grosso e Goiás. Recomenda uma intervenção maior do Estado, para impedir que terras continuem a ser usadas com fins especulativos e para incentivar o que chama de agricultura camponesa - aquela baseada no sistema familiar de produção.

Posiçao dos governos dos paises da ALBA


Documento de los países de la Alternativa Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América (ALBA) para la V Cumbre de las Américas

Cumaná, 17 de abril de 2009

Los Jefes de Estado y de Gobierno de Bolivia, Cuba, Dominica, Honduras, Nicaragua y Venezuela, países miembros del ALBA, consideramos que el proyecto de Declaración de la V Cumbre de las Américas es insuficiente e inaceptable por las siguientes razones:

- No da respuestas al tema de la Crisis Económica Global, a pesar de que ésta constituye el más grande desafío al cual la humanidad haya hecho frente en décadas y la más seria amenaza de la época actual para el bienestar de nuestros pueblos.

- Excluye injustificadamente a Cuba, sin hacer mención al consenso general que existe en la región para condenar el bloqueo y los intentos de aislamiento de los cuales su pueblo y su gobierno han sido incesantemente objeto, de manera criminal.

Por tal motivo, los países miembros del ALBA consideramos que no hay consenso para adoptar este proyecto de declaración y en función de lo planteado, proponemos sostener un debate a fondo sobre los siguientes temas:

1) El capitalismo está acabando con la humanidad y el planeta. Lo que estamos viviendo es una crisis económica global de carácter sistémico y estructural y no una crisis cíclica más. Están muy equivocados quienes piensan que con una inyección de dinero fiscal y con algunas medidas regulatorias se resolverá esta crisis.

El sistema financiero está en crisis porque cotiza valores en papeles por seis veces el valor real de los bienes y servicios que se producen en el mundo. Esta no es una “falla de la regulación del sistema” sino que es parte constitutiva del sistema capitalista que especula con todos los bienes y valores en pos de obtener la máxima ganancia posible. Hasta ahora, la crisis económica provoca 100 millones más de hambrientos y más de 50 millones de nuevos desempleados y estas cifras tienden a aumentar.

2) El capitalismo ha provocado la crisis ecológica por someter las condiciones necesarias para la vida en el planeta, al predominio del mercado y la ganancia. Cada año se consume un tercio más de lo que el planeta es capaz de regenerar. A este ritmo de derroche del sistema capitalista, vamos a necesitar dos planetas Tierra para el año 2030.

3) La crisis económica global, la del cambio climático, la alimentaria, y la energética son producto de la decadencia del capitalismo que amenaza con acabar con la propia existencia de la vida y el planeta. Para evitar este desenlace es necesario desarrollar un modelo alternativo al sistema capitalista. Un sistema de:

• Solidaridad y complementariedad y no de competencia;
• Un sistema de armonía con nuestra madre tierra y no de saqueo de los recursos naturales;
• Un sistema de diversidad cultural y no de aplastamiento de culturas e imposición de valores culturales y estilos de vida ajenos a las realidades de nuestros países;
• Un sistema de paz basado en la justicia social y no en políticas y guerras imperialistas;
• En síntesis, un sistema que recupere la condición humana de nuestras sociedades y pueblos y no los reduzca a ser simples consumidores o mercancías.

4) Como expresión concreta de la nueva realidad del continente, los países latinoamericanos y caribeños hemos comenzado a construir una institucionalidad propia, que hunde sus raíces en la historia común que se remonta a nuestra Revolución independentista, y constituye una herramienta concreta de profundización de los procesos de transformación social, económica y cultural que habrán de consolidar nuestra plena soberanía. El ALBA-TCP, Petrocaribe o la UNASUR, por solo citar los de más reciente creación, son mecanismos de unión solidaria creados al calor de estas transformaciones, con la intención manifiesta de potenciar el esfuerzo de nuestros Pueblos por alcanzar su propia liberación.

Para enfrentar los graves efectos de la crisis económica global, los países del ALBA-TCP hemos tomado medidas innovadoras y transformadoras, que buscan alternativas reales al deficiente orden económico internacional y no potenciar sus fracasadas instituciones. Así, hemos puesto en marcha un Sistema Único de Compensación Regional, el SUCRE, que incluye una Unidad de Cuenta Común, una Cámara de Compensación de Pagos y un Sistema Único de Reservas.

Igualmente, hemos impulsado la constitución de empresas grannacionales para satisfacer las necesidades fundamentales de nuestros pueblos, estableciendo mecanismos de comercio justo y complementario, que dejen a un lado la absurda lógica de la competencia desenfrenada.

5) Cuestionamos al G20 por triplicar los recursos del Fondo Monetario Internacional, cuando lo realmente necesario es establecer un nuevo orden económico mundial que incluya la transformación total del FMI, del Banco Mundial y de la OMC, que con sus condicionamientos neoliberales han contribuido a esta crisis económica global.

6) Las soluciones a la crisis económica global y la definición de una nueva arquitectura financiera internacional deben ser adoptadas con la participación de los 192 países que entre el 1 y el 3 de Junio nos reuniremos en la Conferencia sobre la crisis financiera internacional de las Naciones Unidas, para proponer la creación de un nuevo orden económico internacional.

7) En cuanto a la crisis del cambio climático, los países desarrollados tienen una deuda ecológica con el mundo ya que son responsables por el 70 % de las emisiones históricas de carbono acumuladas en la atmosfera desde 1750.

Los países desarrollados, deudores con la humanidad y el planeta, deben aportar recursos significativos a un fondo para que los países en vías de desarrollo puedan emprender un modelo de crecimiento que no repita los graves impactos de la industrialización capitalista.

8) Las soluciones a las crisis energética, alimentaria y del cambio climático tienen que ser integrales e interdependientes. No podemos resolver un problema creando otros en áreas fundamentales para la vida. Por ejemplo, generalizar el uso de agrocombustibles solo puede incidir negativamente en los precios de los alimentos y en la utilización de recursos esenciales como el agua, la tierra y los bosques.

9) Condenamos la discriminación de los migrantes en cualquiera de sus formas. La migración es un Derecho Humano, no un delito. Por tanto, demandamos una reforma urgente de las políticas migratorias del gobierno de los Estados Unidos, con el objetivo de detener las deportaciones y redadas masivas, permitir la reunificación de las familias, y reclamamos la eliminación del muro que nos separa y nos divide, en vez de unirnos.

En ese sentido, demandamos la abrogación de la Ley de Ajuste Cubano y la eliminación de la política de Pies Secos – Pies Mojados, de carácter discriminatorio y selectivo, y causantes de pérdidas de vidas humanas.

Los verdaderos culpables de la crisis financiera son los banqueros que se robaron el dinero y los recursos de nuestros países y no los trabajadores migrantes. Primero están los derechos humanos, y en particular los derechos humanos del sector más desprotegido y marginado de nuestra sociedad que son los migrantes sin papeles.

Para que haya integración tiene que haber libre circulación de las personas, y derechos humanos por igual para todos sin importar su estatus migratorio. El robo de cerebros constituye una forma de saqueo de recursos humanos calificados ejercido por los países ricos.

10) Los servicios básicos de educación, salud, agua, energía y telecomunicaciones tienen que ser declarados derechos humanos y no pueden ser objeto de negocio privado ni ser mercantilizados por la Organización Mundial del Comercio. Estos servicios son y deben ser esencialmente servicios públicos de acceso universal.

11) Queremos un mundo donde todos los países, grandes y pequeños, tengamos los mismos derechos y donde no existan imperios. Abogamos por la no intervención. Fortalecer, como único canal legítimo para la discusión y análisis de las agendas bilaterales y multilaterales del Continente, la base del respeto mutuo entre los Estados y los gobiernos, bajo el principio de la no injerencia de un Estado sobre otro y la inviolabilidad de la soberanía y la autodeterminación de los pueblos.

Demandamos al nuevo gobierno de los Estados Unidos, cuya llegada ha generado algunas expectativas en la región y en el mundo, que ponga fin a la larga y nefasta tradición de intervencionismo y agresión que ha caracterizado el accionar de los gobiernos de ese país a lo largo de la historia, especialmente recrudecido durante el gobierno de George W. Bush.

De la misma manera, que elimine prácticas intervencionistas como las operaciones encubiertas, diplomacias paralelas, guerras mediáticas para desestabilizar Estados y gobiernos, y el financiamiento a grupos desestabilizadores. Es fundamental construir un mundo donde se reconozca y respete la diversidad de enfoques económicos, políticos, sociales y culturales.

12) Respecto al bloqueo de Estados Unidos contra Cuba y la exclusión de este país de la Cumbre de las Américas, los países de la Alternativa Boliviariana para los Pueblos de Nuestra América reiteramos la Declaración que todos los países de América Latina y el Caribe adoptaron el pasado 16 de diciembre del 2008 sobre la necesidad de poner fin al bloqueo económico, comercial y financiero impuesto por el gobierno de los Estados Unidos de América a Cuba, incluida la aplicación de la llamada ley Helms-Burton y que entre sus párrafos fundamentales señala:

“CONSIDERANDO las resoluciones aprobadas por la Asamblea General de las Naciones Unidas sobre la Necesidad de poner fin al Bloqueo económico, comercial y financiero impuesto por los Estados Unidos contra Cuba, y las expresiones que sobre el mismo se han aprobado en numerosas reuniones internacionales,

“AFIRMAMOS que en la defensa del libre intercambio y de la práctica transparente del comercio internacional, resulta inaceptable la aplicación de medidas coercitivas unilaterales que afectan el bienestar de los pueblos y obstruyen los procesos de integración.

“RECHAZAMOS de la forma más enérgica la aplicación de leyes y medidas contrarias al Derecho Internacional como la Ley Helms-Burton y exhortamos al Gobierno de los Estados Unidos de América a que ponga fin a su aplicación.

“PEDIMOS al gobierno de Estados Unidos de América que cumpla con lo dispuesto en 17 resoluciones sucesivas aprobadas en la Asamblea General de las Naciones Unidas y ponga fin al bloqueo económico comercial y financiero que mantiene contra Cuba.”

Adicionalmente consideramos que han fracasado los intentos de imponer el aislamiento de Cuba, que hoy es parte integrante de la región de América Latina y el Caribe, miembro del Grupo de Río y de otras organizaciones y mecanismos regionales, que desarrolla una política de cooperación y solidaridad con los países de la región, que promueve la plena integración de los pueblos latinoamericanos y caribeños y, por tanto, que no existe razón alguna que justifique su exclusión del mecanismo de las Cumbres de las Américas.

13) Los países desarrollados han destinado no menos de 8 milllones de millones de dólares para rescatar la estructura financiera que se ha desplomado. Son los mismos que no cumplen con destinar pequeñas cifras para alcanzar las Metas del Milenio o el 0,7% del PIB para la Ayuda Oficial al Desarrollo. Nunca antes se había visto tan al desnudo la hipocresía del discurso de los países ricos. La cooperación debe establecerse sin condiciones y ajustarse a las agendas de los países receptores simplificando los trámites, haciendo accesibles los recursos y privilegiando los temas de inclusión social.

14) La legítima lucha contra el narcotráfico y el crimen organizado, y cualquier otra manifestación de las llamadas “nuevas amenazas” no deben ser utilizadas como excusa para llevar a cabo actividades de injerencia e intervención en contra de nuestros países.

15) Estamos firmemente convencidos de que el cambio, en el que todo el mundo tiene esperanza, solo puede venir de la organización, movilización y unidad de nuestros pueblos.

Como bien afirmara El Libertador:

“La unidad de nuestros pueblos no es simple quimera de los hombres, sino inexorable decreto del destino”

Simón Bolívar



Anamaria Moraes

Vía Campesina - Venezuela
Móvil: (58) 416 205 7580

Tel/Fax (58) 212 751 4346
Skype: anamaria.moraes

Fonte da Matéria - Secretaria Geral do MST.

Balanço da política agrária do governo Lula, segundo o MST

A Secretaria Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), apresentou um balanço político nessa semana da situação atual da política agrária do governo federal. Segundo o MST, o balanço demonstra um retrocesso, inclusive em relação a anos anteriores.

Eis o balanço.

1. Os recursos para desapropriação, aprovados no orçamento de 2009, eram de R$ 957 milhões e foram cortados ‘em função da crise’. Eles foram reduzidos em 41%, baixando o orçamento para R$ 561 milhões. Segundo o Incra, com essa redução será possível assentar apenas 17 mil famílias e não mais 75 mil, meta anteriormente prevista pelo governo para o ano de 2009.

2. Os recursos aprovados para assistência técnica das famílias assentadas, previstos para 2009, eram de R$ 224 milhões, mas foram reduzidos para R$135 milhões. Redução também de 41%.

3. Para o Pronera, programa de educação nas áreas de Reforma Agrária, os recursos aprovados para 2009 - eram de R$ 69 milhões - foram cortados em 62%, baixando para apenas R$ 26 milhões. Além disso, o Incra não consegue garantir formas de remuneração para os professores nas áreas rurais. Vários cursos já conveniados com universidades em todo país, e alguns já iniciados, foram interrompidos por falta de recursos!

4. O Incra vem usando índices de produtividade, que fixam os parâmetros necessários para desapropriação das áreas, com dados de produção ainda de 1975, totalmente defasados, o que dificulta classificar as fazendas como improdutivas. Em maio de 2005, o governo federal se comprometeu, perante a Marcha Nacional dos Sem Terra a Brasília, a atualizar os índices e publicá-los em algumas semanas. Em 2005, o Incra e o MDA atualizaram a portaria, mas até hoje ela não foi editada. A lei agrária determina que os índices sejam atualizados a cada cinco anos. É urgente que eles sejam atualizados com os dados do censo agropecuário de 2006, e se publique nova portaria.

5. Ano passado, propusemos e foi acordado com o governo, a liberação de R$18 mil por família para o programa de habitação rural a ser implementado em 2009, para a construção e reformas de moradias no campo. Pela primeira vez, tínhamos um programa consolidado de habitação para o meio rural. Soubemos, porém, que os recursos foram baixados para R$10, 6 mil reais por família neste ano. Perguntamos: alguém consegue construir uma casa com R$10 mil?

6. O governo havia se comprometido a garantir a assistência técnica para todas as famílias assentadas, e até fez propaganda disso. Nas negociações, ficou claro que por causa do corte de 41%, o Incra não tem condições de pagar sequer os trabalhos já realizados em meses passados pelos agrônomos e até hoje não pagos. Não vai honrar convênios já assinados com entidades, e não tem previsão de como será a assistência técnica no futuro. Isso vai prejudicar a realização dos projetos para acessar ao crédito do Pronaf, que terá início em julho. Até o final de março de 2009, nenhum centavo havia sido liberado para assistência técnica de projetos contratados em 2008.

7. O governo se comprometeu, na chegada da marcha a Brasília em maio de 2005, a abrir uma linha de crédito para financiamento especial de agroindústrias em assentamentos. Nossa demanda é de R$150 milhões, mas apenas R$ 20 milhões estão assegurados para os próximos dois anos. Há, porém, um processo de negociação em aberto com o BNDES para expandir esse valor. Por outro lado, o governo liberou R$12 bilhões via Banco do Brasil e BNDES como socorro de capital de giro para as 20 maiores agroindústrias do país, que estão em crise e já demitiram quase 100 mil trabalhadores.

8. Estamos esperando, até hoje, resposta a uma proposta de programa de reflorestamento nos assentamentos e na agricultura familiar, que previa apoio para que cada família de agricultor pudesse reflorestar dois hectares de sua área. A proposta foi apresentada e aprovada pelo presidente Lula, em 2003.

9. O governo sempre se deixou influenciar pelos interesses econômicos das empresas transnacionais do agronegócio, para liberar vergonhosamente as sementes transgênicas, sem nenhum estudo sério de impacto ambiental e de saúde. Na fila da CTNBio estão novas licenças de arroz, milho etc., e sempre alegaram não haver nisso problema nenhum. Nesta semana, porém, um juiz do Rio Grande do Sul aceitou uma demanda dos agricultores gaúchos contra o pagamento de royalties para a Monsanto. Além disso, o governo da Alemanha proibiu em seu território o cultivo da soja roundup, da Monsanto. No ano passado, o governo liberou três variedades de milho transgênico da Bayer, Syngenta e Monsanto. A produção de sementes de milho transgênico estava proibida. Assim que liberaram, milagrosamente em apenas uma safra, as empresas forneceram sementes para atender 40% da demanda. Isso terá um impacto futuro na agricultura familiar destruidor, como já aconteceu no México.

10. O governo enviou ao congresso a Medida provisória MP 458, que define novos critérios e praticamente legaliza todas as terras públicas griladas na Amazônia, em até 1500 hectares por pessoa. Isso demonstra um claro abandono da Reforma Agrária, pois, ao invés de exigir a imediata arrecadação pela União das terras acima de 15 módulos fiscais e sua destinação para o Incra, designa estas áreas para licitação, com direito de preferência para o atual grileiro! Portanto, está consumada a regularização do grilo, além de sucatear a já famigerada autarquia, porque vai transferir técnicos, diretores e demais estruturas do Incra para o projeto de regularização. Segundo denunciaram todas as entidades envolvidas no Fórum Nacional de Reforma Agrária a proposta da MP 458 tem clara afronta a preceitos constitucionais que devem ser contestados no STF.

11. Está parado na Câmara dos Deputados um projeto de lei que determina a desapropriação de todas as fazendas onde foram encontrados trabalhadores em situação análoga à escravidão. A lei já foi aprovada no Senado Federal. Mas, por articulações políticas dos ruralistas, o governo se rendeu e não mobilizou sua base para aprová-la. Enquanto isso, a Polícia Federal continua libertando pessoas que vivem em condições de trabalho escravo nas fazendas e já registrou que 58% das fazendas são reincidentes.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Mesmo com diferentes avaliações sobre o Fórum de Belém, participantes unificam calendário de lutas

Mesmo com diferentes avaliações sobre o Fórum de Belém, participantes unificam calendário de lutas

"...um fórum desse não consegue fazer nenhum tipo de protesto, não consegue fazer uma agenda? Então é um fórum que, do ponto de vista da estratégia e da mudança de correlação forças, não contribui." afirma dirigente do MST



Fonte: Agência Petroleira de Notícias, com informações da comissão organizadora do FSM-2009 e da Radioagência NP.

Os números do Fórum Social Mundial de Belém encerrado no domingo, 1º de fevereiro, enchem os olhos até dos mais céticos. Cerca de 150 mil participantes. Mais de 5.500 organizações envolvidas, sendo 489 da África, 119 da América Central, 155 da América do Norte, 4.193 da América do Sul, 334 da Ásia, 491 da Europa e 27 da Oceania. Foram mais de 2.300 atividades auto-gestadas. Ajudaram como voluntários, tradutores, técnicos e gestores 4.830 pessoas. Eventos culturais foram 200, envolvendo mais de mil artistas. O registro mundial foi garantido por 800 jornais de 30 países que se credenciaram no Fórum. A cobertura do FSM teve 4.500 jornalistas, profissionais da comunicação e mídia livres.

Para além dos dados quantitativos, o que fica do Fórum? Em que ele contribui efetivamente para a transformação da sociedade? Essas respostas não encontram consenso. O balanço do Fórum e a avaliação do papel que ele cumpre variam muito entre os participantes. Porém, mesmo com todas as diferenças reunidas em Belém, construiu-se um calendário de atividades unificado. A aprovação dessas atividades consensuais aconteceu na Assembléia das Assembléias, no palco principal da Universidade Federal Rural da Amazônia, durante a tarde do último dia do Fórum, o chamado Dia das Alianças. Confira abaixo o calendário aprovado:

8 de março - Dia dos Direitos da Mulher;
14 a 22 de março - mobilização e Fórum paralelo ao Fórum Mundial da Água de Istambul;
Começa em 28 março, em Londres, a semana de ação a nível do G20;
30 de março - Mobilização contra a guerra e a crise / Dia de Solidariedade com o povo palestino;
4 de abril - Dia de Ação no 60º aniversário da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN);
17 de abril - Dia Internacional para a Soberania Alimentar
1º de maio - Dia Internacional dos Trabalhadores
Julho - dias de Ação do G8 na Itália
12 de outubro - Dia Mundial de Ação para a Proteção da Mãe Terra, contra a mercantilização da vida.
12 de dezembro - Dia de Ação Global sobre a Justiça Climática em conferência de Copenhague, Dinamarca, sobre o clima.

FSM-2009: de avaliações empolgadas às mais duras críticas

A pluralidade dos participantes, as diferenças de expectativas e de posições ideológicas fazem com que sejam produzidos balanços completamente distintos sobre o Fórum Social. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que sempre teve participação ativa nesse espaço, publicou em sua página oficial uma declaração do dirigente de relações internacionais da organização, Egídio Brunetto, em que, embora este reconheça o FSM como um bom momento para encontros, considera que o potencial é desperdiçado porque não se encaminha mobilizações e uma agenda de massa:

“Com uma crise dessa, com a agressão que está acontecendo na Palestina, que é um genocídio cometido por Israel, com a invasão que continua no Iraque e no Afeganistão, com a situação do Haiti, do povo colombiano e um fórum desse não consegue fazer nenhum tipo de protesto, não consegue fazer uma agenda? Então é um fórum que, do ponto de vista da estratégia e da mudança de correlação forças, não contribui.”

Alguns setores fazem críticas muito mais pesadas. O paulista Dirceu Travesso, da Coordenação Nacional de Lutas, considera o Fórum uma ala à esquerda do capitalismo, em que se propõe mudanças de forma mas não de conteúdo. O secretário da executiva nacional da Conlutas avalia que não se questiona de fato o sistema capitalista:

“O Fórum é um retrocesso cada vez maior. A política predominante de manutenção do status quo se refletiu claramente no toque de recolher nas favelas, nas comunidades populares de Belém. Os estabelecimentos dessas áreas não podiam funcionar depois das 22 horas da noite. O controle na porta das universidades foi outro ponto. Só participava da FSM quem tivesse dinheiro para pagar a inscrição, o que não aconteceu nos anteriores. É a consolidação do fórum como uma atividade governista, em completa conjunção com o neoliberalismo. Cada vez mais se transforma num espaço de intercambio entre os setores do campo social-democrata. Turismo. Contudo, setores minoritários, que estão por fora da política hegemônica do fórum, realizaram atividades importantes. Fizemos uma plenária que discutiu uma plataforma comum de enfrentamento à crise. Traçamos um plano de lutas, um calendário, que culmina no fim do ano com uma plenária de formação de uma nova central sindical. Isso poderia ter sido feito fora do FSM.”

A Intersindical, outra corrente alternativa de central sindical formada por dissidentes da Central Única dos Trabalhadores e que também participa do processo pela formação de uma nova central, aponta problemas graves, mas julga o Fórum um espaço importantíssimo na agenda global.

“O FSM reuniu uma parte significativa da esquerda mundial. Apesar do considerável peso institucional e das dificuldades estruturais do local, houve uma participação protagonista dos movimentos sociais. Há começar pela Marcha de Abertura, reunindo 100 mil pessoas no meio da Amazônia, fortalecendo a causa indígena e a luta ecossocialista. Houve a Oficina sobre a Reorganização do Movimento Sindical, que apontou para a necessidade de construir um novo instrumento de luta da classe trabalhadora, o ato do MST com os presidentes Chavez, Evo, Lugo e Correa, no qual a presença de Lula foi vetada e a Carta da Assembléia dos Movimentos Sociais, cuja análise da realidade e agenda de luta aponta para uma posição anticapitalista. Portanto, com todas as suas contradições, o FSM 2009 teve um saldo político positivo, ganhando fôlego novo num contexto de crise global.” – comenta o bancário Vinicius Codeço, da Coordenação Nacional da Intersindical.

Campanha contra a privatização do petróleo em Belém

Mesmo filiado à CUT, o Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro, além de movimentar a campanha ‘O Petróleo tem que ser nosso’ em Belém, acompanhou as discussões sobre a re-organização dos trabalhadores brasileiros. Para Emanuel Cancella, coordenador geral do Sindipetro-RJ, a prioridade é organizar uma grande frente com entidades sindicais, movimentos sociais e populares para atuar de forma unitária nas lutas:

“O Fórum aconteceu num momento importante de crise mundial em que os trabalhadores sofrem a ameaça de desemprego em massa e perda de direitos. Para resistir a esse ataque dos capitalistas, os trabalhadores discutem a criação de uma nova central sindical com Conlutas, Intersindical e independentes. O Fórum ajudou nessa articulação” – o petroleiro segue destacando o bonito papel cumprido pela campanha do petróleo em Belém: “Panfletamos um jornal com textos em português, inglês, francês e espanhol, que fazia a retrospectiva das mobilizações contra a privatização do petróleo e gás em 2008. A aceitação foi ótima e distribuímos as 20 mil cópias produzidas. Participamos de vários debates e conseguimos aprofundar a discussão. Abrimos muitos contatos. Delegações internacionais e de diversos estados brasileiros, que antes nem sabiam da privatização do petróleo nacional, pegaram o material e se solidarizaram com a nossa luta. O saldo do Fórum é positivo para a luta contra a privatização do petróleo e gás.”

A luta pelo cancelamento dos leilões que entregam nossas áreas promissoras de petróleo e gás, por um novo marco regulatório para os hidrocarbonetos e pela re-estatização da Petrobrás, não foi a única frente de batalha em destaque na capital paraense. A socióloga Adriana Mota, da ONG Ipas Brasil, que trabalha pela saúde sexual e reprodutiva das mulheres, levantou outras bandeiras:

“A nona edição do Fórum Social Mundial mostrou que os movimentos sociais ainda têm muito fôlego para encabeçar a luta contra-hegemônica ao capitalismo. Foi um Fórum de muita diversidade, como sempre, mas que mostrou também um amadurecimento genuíno de alguns movimentos, como o da economia solidária. Não são apenas os mesmo “paninhos de prato” de sempre, trata-se de uma nova forma de compreender a produção e a distribuição de renda, claramente comprometida com o futuro das pessoas e do planeta. Como estávamos em Belém, estavam lá várias etnias indígenas, com muitas discussões importantes e inadiáveis, como a demarcação das terras indígenas no Brasil e a participação nos governos em diferentes países. Os 50 Anos da Revolução Cubana também foram um destaque. Na tenda de Cuba, foram abrigados os militantes da causa palestina, nada mais significativo e oportuno. Discussões polêmicas também aconteceram, com a presença importante dos presidentes Hugo Chavez, Evo Morales, Lula, Rafael Correa e Lugo. Um verdadeiro Fórum Social Mundial se faz com a presença destes dirigentes, a quem queremos escutar e cobrar, compartilhar anseios e responsabilidades.”

A luta pela democratização da comunicação também esteve presente no Fórum. Militante do movimento de rádios comunitárias no Distrito Federal, Marcelo Arruda, que esteve no Pará representando o Intervozes, Coletivo Brasil de Comunicação Social, apresenta uma denúncia e uma reflexão:

“Nas semanas anteriores ao Fórum Social Mundial, várias Rádios Comunitárias foram fechadas em Belém. Estes eram um dos poucos meios de comunicação que estavam transmitindo uma visão do evento que iam além do festivo-turístico. Em contraposição, foi anunciada a tão almejada convocação da 1ª Conferência Nacional das Comunicações. Este dois fatos, entre muitos, mostram como os desafios da vida real serão marcantes na luta pelo direito à comunicação. Mesmo dentro do Fórum, esta perspectiva entra em choque com uma realidade existente de verticalização, restrição e criminalização de uso dos meios, conseqüências do sistema comunicações existente no Brasil. Tivemos espaços de reflexão ricos neste sentido, espaços que não existem na dinâmica da luta concreta. Fora os espaços de comunicação compartilhada que mostravam na prática como se contrapor ao modelo da grande mídia. Os espaços de troca de experiência do FSM devem apontar à organização de uma nova realidade, onde se horizontaliza a possibilidade de uso da comunicação. Afinal, é na prática que se constrói o mundo que pensamos e queremos.”

Luta ambiental é destaque do Fórum em plena Amazônia

O diferencial desse fórum foi o debate ambiental. Não só pelas oficinas e discussões ecológicas, mas pela experiência concreta de um Fórum Social Mundial pensar e traçar estratégias de ação sobre o meio ambiente dentro da Amazônia. O engenheiro Paulo Piramba, da Rede Ecossocialista Internacional, traz essa reflexão junto com a consideração sobre o aparelhamento político do espaço:

“Acho que a melhor definição que ouvi sobre o que foi o FSM 2009, partiu de um companheiro que disse: 'Apesar de todo o esforço de se tentar institucionalizar o Fórum, ele não foi cooptado. O FSM é incooptável!'. Aliás, é cada vez mais complicado falar em um Fórum. Em Belém, tivemos pelo menos três: o Fórum institucionalizado, dominado pelo PT e o governo Lula; o Fórum "supermercado de idéias", com milhares de atividades de todos os tipos; e o Fórum anticapitalista. Para as esquerdas, o FSM voltou a ser um importante instrumento de sua reorganização na luta anticapitalista. Mas, de fato, a questão ambiental foi a mais importante no FSM, até pelo seu local de realização, na Amazônia. Apesar da tentativa do governo em tentar "esconder" a Amazônia do Fórum, existiu um amplo consenso em torno da importância da Amazônia para o planeta. Ficou clara a responsabilidade das madeireiras, agronegócio, mineradoras, pecuária e do governo, nos ataques desferidos contra a floresta. A Rede Ecossocialista Internacional também lançou no Fórum o II Manifesto Ecossocialista. Nele está a condenação do modo de produção capitalista, como responsável pela degradação ambiental, cuja face mais visível são as mudanças climáticas provocadas pelo aumento da concentração dos gases formadores do efeito estufa na atmosfera.”

A juventude esteve presente em peso. Do espaço destinado para acampamento aos auditórios onde ocorriam os debates, os jovens tomaram o Fórum. O carioca Kenzo Seto, de 18 anos e integrante do movimento estudantil secundarista, problematiza:

“A juventude do mundo inteiro é a maior vítima, seja na Faixa de Gaza ou nas favelas de Belém. No entanto, o papel de protagonismo da juventude na construção de um outro mundo possível e necessário, salvo o exemplo heróico da Grécia, não é sequer mencionado em muitos espaços de diálogo de lutadores presentes em Belém. O registro de nossa resistência na América Latina e no Brasil só foi garantido por nossas próprias intervenções, além da nossa auto-organização expressa pela Plenária Nacional em Defesa da Meia-entrada nos estabelecimentos culturais. Mesmo assim, saímos do Fórum enriquecidos pelo debate e organizados para que o próximo 28 de março seja não só a manifestação da aliança do movimento estudantil com os movimentos sociais, mas agora com todos os lutadores de outras nações, com uma agenda internacional unificada.”

No final da fala do Kenzo, ele aponta para organização de lutas iniciadas e fortalecidas ao longo dos seis dias do Fórum. Porém, nem sempre os participantes saem do FSM com esse norte de atuação continuada e conseqüente. Isso é o que preocupa o jornalista paraense Max Costa, ex-coordenador da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social:

“O Fórum não consegue avançar. Apenas alardeia que um outro mundo é possível, mas não aponta que mundo é possível. E isso pode levar esse espaço a um esgotamento, caso não sejamos ousados de afirmar um projeto de sociedade em que os trabalhadores possam tomar as rédeas da situação e governar de forma democrática, participativa e socialista. Muitas vezes, a coordenação do FSM transforma o evento numa mera festa, em que a juventude é incentivada ao lupenzinato. Mas apesar dessas críticas, aponto o Fórum como um espaço importante que mostra que é possível sonhar e lutar. O novo pode ser construído a partir do Fórum, caso tenha interesse nisso, enquanto que o velho, o atraso, o retrógrado está em Davos.”

Durante a coletiva de imprensa, após o fim do FSM, Cândido Grzybowski, um dos organizadores do Fórum, ignorou as críticas. Ele afirmou que Belém foi uma 'grande escolha' para a realização do evento. Grzybowski ressaltou a importância do evento ter acontecido na região amazônica e descartou qualquer cansaço após seis dias de muito trabalho: "Conseguimos expor uma outra face da Amazônia para o mundo e o nosso sentimento é de um bom cansaço cívico ao final desse FSM".

Balanço das autoridades comemora acréscimo de 40 milhões na economia paraense

Pelo menos para os organizadores, Prefeitura de Belém e Governo do Estado, o balanço é extremamente positivo. A governadora Ana Júlia Carepa destacou os reflexos positivos do Fórum na economia do Estado. Ela ressaltou que a Região Metropolitana de Belém recebeu um incremento de R$ 40 milhões, sendo R$ 18 milhões em hospedagem, R$ 16 milhões em gastos com alimentação e R$ 6 milhões para o setor de transporte. De acordo com a governadora, o Fórum de Belém se tornou o quarto maior entre os nove já realizados.

O próximo FSM, em 2010, não deverá ter uma sede específica. Já em 2011, a África e o Oriente Médio são os prováveis candidatos, mas os Estados Unidos também podem entrar na lista, segundo a organização do evento

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

‘A crise econômica, alimentar e a ecológica tem uma mesma raiz’ entrevista com Michael Löwy

“Há uma relação entre a crise econômica, a alimentar, a ecológica. Há uma convergência das crises, uma mesma raiz que é um modelo de civilização industrial, capitalista e ocidental em que vivemos”. A afirmação é do diretor de pesquisas emérito do Centro de Pesquisa da França, o franco-brasileiro Michael Löwy em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, 02-02-2009.



Eis a entrevista.




O Fórum Social Mundial se revitalizou?

Havia a ideia de que o Fórum tinha esgotado seu papel, estava em crise e não tinha mais o que dizer, que o movimento altermundialista [antiglobalização] já tinha acabado e era preciso passar para uma outra. Hoje em dia esse discurso acabou. Está muito clara a vitalidade extraordinária do processo do Fórum, sua capacidade de se reinventar e de avançar em ideias e propostas. Acho que o impacto do Fórum aumentou. Quem está em crise agora é o outro fórum, o de Davos. Seus dogmas foram por água abaixo. O que o Fórum Social Mundial sempre disse, que se precisa de outro mundo, se revelou verdadeiro.

A crise econômica roubou espaço do temas original desse FSM, a Amazônia?

Pelo contrário. Há uma relação entre a crise econômica, a alimentar, a ecológica. Há uma convergência das crises, uma mesma raiz que é um modelo de civilização industrial, capitalista e ocidental em que vivemos.

O FSM não devia propor uma saída?

O fórum é um movimento de protesto. Gente que se reúne para dizer "não", "não queremos o mundo em que tudo virou mercadoria", "não queremos um mundo dominado pelo capital". Há um "não!", e isso é muito importante, algo precioso e não deve ser minimizado. Mas insatisfação apenas não é suficiente. Há quem diga que o fórum só critica e não propõe nada. Não é verdade.

Um fórum que foge da interferência de governos traz cinco presidentes...

O fórum nunca negou a política, ela está presente. Não queremos é que o fórum seja aparelhado ou instrumentalizado por partidos políticos ou governos. Se a participação de presidentes e políticos acaba sendo o ponto alto, é a ponta visível do iceberg. Lá embaixo é muito maior.

A volta para a América Latina e o contato com suas esquerdas renova o fórum?

A América Latina é onde a tentativa de romper as amarras do neoliberalismo está indo mais longe. Nós temos não só movimentos sociais e forças políticas que colocam essa exigência, mas ao menos três experiências novas -Venezuela, Bolívia e Equador- de governos com grande apoio popular tentando buscar uma alternativa ao Liberalismo e colocando a necessidade de superar o sistema capitalista. Infelizmente não é o caso do Brasil.

O que faltou aqui?

O Brasil deveria ter estado na vanguarda desse processo, porque é o único que tem um grande partido dos trabalhadores e com um dirigente que foi um grande operário e dirigente sindical. É um governo melhor do que os anteriores, mas comparado ao que havia sido a trajetória e histórico do PT, é decepcionante.
Matéria Publicada pelo Boletim do

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

COLUNAS :: TERRA EM TRANSE

Países à venda. Tratar aqui. E ali.
Colunista discute o neocolonialismo de nações ricas em busca de terras nas regiões pobres do globo

Mencionamos em nossa última coluna a cadeia alimentar e o equilíbrio que esta mantém com o ambiente físico, quando em estado natural e balanceado. Hoje mencionaremos os aspectos energéticos da cadeia alimentar e suas surpreendentes consequências ambientais e fundiárias.

Pense no destino metabólico do que você come: se você é um adulto moderado (por opção ou obrigação) tentará consumir o suficiente para manter seu peso. A matéria que você ingere será fonte de combustível para seu metabolismo, fonte de peças de reposição (eletrólitos, aminoácidos, vitaminas, micronutrientes) e de resíduos sólidos e líquidos. Se você ingere mais do que é capaz de metabolizar, ganhará peso e alimentará a próspera indústria que promete nos livrar daqueles quilinhos a mais.

As crianças, ao contrário, devem consumir mais do que o mínimo de subsistência para poder investir o saldo energético no seu desenvolvimento e crescimento. E todo pai ou mãe sabe a quantidade de comida que crianças saudáveis devoram ao longo do ano para aumentar seu peso em uma pequena fração do peso de alimento consumido no período.
Herbívoros e carnívoros têm, assim, este drama em comum: vivem direta ou indiretamente da fotossíntese dos vegetais, e enormes extensões de vegetação sustentam grandes manadas de herbívoros, que por sua vez garantem o sustento de uns poucos carnívoros. Portanto, você nunca verá grandes manadas de leões ou onças, ou revoadas de gaviões, a não ser em filmes-catástrofe de Hollywood.

Criação comercial de frangos. A carne desses animais é mais barata que a bovina porque sua produção requer menos terra e água (fotos: Wikimedia Commons).
Mas há um detalhe fundamental nos exemplos acima: herbívoros e carnívoros não têm livre arbítrio, a vaca nunca poderá se alimentar de frango, nem a onça de brócolis. Mas nós, os cupins do planeta, somos onívoros. Temos um largo leque de opções de dieta, do estrito vegetarianismo à carnivoria quase estrita, cada opção com uma pegada ecológica diferente.

A opção carnívora é a que exerce a maior pressão sobre o ambiente, traduzida em maior consumo de recursos como terra e água, entre outros, emissão de carbono etc. Mas as diferentes opções carnívoras podem diferir enormemente em sua pegada ecológica. Produzir um quilo de frango requer uma superfície e uma quantidade de água muito menor do que produzir um quilo de carne de boi.

Você acaba de entender por que um quilo de frango é mais barato do que um quilo de carne e mais caro do que um quilo de soja. Também entendeu por que um país como a Argentina, até recentemente grande produtor, consumidor e exportador de carne, tem densidade populacional muito menor do que a China, de hábitos basicamente vegetarianos.

Biosfera finita
Ouvimos cada vez mais que o atual consumo de recursos naturais pelos humanos não é sustentável e que mantê-lo só seria possível com uma biosfera e meia, ou duas. Então, se nos tornarmos todos vegetarianos da noite para o dia, estará resolvido o problema e a Terra poderá sustentar mais algumas décadas ou séculos de crescimento populacional. Certo?

Aí está o problema: não há como fazer pastagens de três andares, nem fabricar água ou solo. O universo talvez seja infinito, mas a biosfera, com certeza, é finita. Então, serão quantas décadas, e quanto crescimento populacional? Onde? E com que qualidade de vida?

Vista aérea do vale fértil do rio Nilo circundado pelo deserto, no Egito. A escassez de água é uma das principais ameaças à segurança alimentar em escala global.
Por isso a questão da segurança alimentar frequenta cada vez mais as agendas políticas nacionais e internacionais. O aumento dos preços dos alimentos no início de 2008 provocou graves distúrbios em diversos países em desenvolvimento. A disponibilidade de terra e água e a capacidade de produzir alimentos são mais do que nunca uma questão estratégica.

Não basta ter recursos para importar alimentos produzidos em outros países, já que, em caso de escassez ou crise, esses países se recusarão a exportar. Portanto, para assegurar o suprimento alimentar, torna-se necessário ter algum controle sobre o seu ciclo produtivo.

Desta forma, está em curso, nem tão silenciosamente, uma corrida às terras e mananciais de água, estejam onde estiverem. Particulares, empresas e governos estão comprando ou arrendando grandes extensões de terra em países como Argentina, Senegal, Uganda, Indonésia, Madagascar, Sudão, Etiópia e, dizem as más línguas, Brasil.

Atrás do balcão, países que ainda dispõem de grandes extensões de florestas, terras agrícolas degradadas ou subexploradas. E na fila de candidatos à compra? Países ricos, com muita população, alto consumo e pouca terra arável, como Coreia do Sul e China, e países muito ricos com nenhuma terra arável, como os chamados países do Golfo Pérsico.

Madagascar, Camboja, Senegal
A busca por novas terras não é nenhuma novidade, mas a intensidade atual do fenômeno e sua extensão global o são. Assim o Sr. Hong Yong-Wan, um dos responsáveis da Daewoo Logistics, o braço agrícola do gigante coreano Daewoo, empresa que conhecemos como montadora de automóveis, declara “em nosso mundo, a comida pode ser uma arma”. Brrrr... nunca mais olharei minha inocente (?) marmita com os mesmos olhos depois disso!

Mas essa declaração talvez explique porque a Daewoo arrendou 1,3 milhões de hectares em Madagascar – metade da superfície arável do país – por 99 anos. Pretende produzir ali 4 milhões de toneladas de milho, ou um terço da atual importação de milho da Coreia do Sul, e até 500 mil toneladas de óleo vegetal. Ambos para consumo... na Coreia do Sul.

A empresa não pagará um tostão sequer pela locação das terras; a contrapartida será investir 6 bilhões de dólares em benfeitorias nas terras em questão, ao longo de 25 anos. Talvez isso melhore as condições de vida da população local, talvez não. Pena: 70% da mesma está abaixo do nível de pobreza e metade da população infantil até 3 anos de idade sofre de desnutrição.

Já os países do Golfo Pérsico têm fortunas oriundas do petróleo e grandes territórios, mas o clima é desértico e eles importam de 70 a 90% dos alimentos que consomem. Como garantir o abastecimento interno nessas condições? Com petrodólares na mesa. Khalil Zainy, um executivo saudita, diz o seguinte: “temos projetos no Sudão, Indonésia e Senegal. São acordos em que todos ganham: eles têm as terras, e nós, o dinheiro”. Não é de se estranhar que a FAO – o braço das Nações Unidas para agricultura e alimentação – já fale em “neocolonialismo agrário”.

Agricultores trabalham na colheita do gergelim, importante ingrediente da culinária chinesa. O país exporta mais de metade do gergelim que consome (700 mil toneladas/ano).
O Camboja, por sua vez, com sua razoável extensão e população encolhida pelos genocídios do Khmer Vermelho, está sendo cortejado pelo Kuwait e pelo Qatar. Estão em jogo ali 2,5 milhões de hectares.

Mas a China é o maior pesadelo de qualquer neocolonialista agrário. Tem um quarto da população mundial e apenas 7% das terras aráveis do planeta. Para piorar, a industrialização e a urbanização reduziram a sua superfície arável em 8 milhões de hectares em apenas 10 anos, e a desertificação avança em muitas regiões do país. Quem vai então alimentar a China? Outros países, claro!

E é impossível pensar em comida chinesa sem gergelim em suas várias formas. Mas a China consome 700 mil toneladas de gergelim e só produz 300 mil. A solução da Datong Trading Entreprise foi assumir a gestão de 35 mil hectares disseminados no Senegal, cuja produção integral de gergelim será adquirida por ela, cabendo-lhe também determinar o preço da safra. Obviamente, toda a produção será exportada para a China. Cinquenta supervisores em motos circularão nas regiões produtoras para assegurar que não haja desvios. Afinal, Arábia Saudita e Índia também são vorazes compradores de gergelim.

Banco Imobiliário Agrário
Lembra aquele jogo, o Banco Imobiliário? Cada jogador iniciava a partida com uma certa quantia inicial pré-determinada de dinheiro, jogava dados e tomava decisões sobre comprar ou vender bens, a fim de aumentar sua fortuna. E, depois da partida, um lanche, um mergulho, um joguinho de futebol.

Mas esse Banco Imobiliário Agrário, não sei não, acho que não vai acabar bem... Afinal, ele é para valer, os jogadores não têm a mesma quantia inicial e os dados são meio esquisitos. Quem vai pagar o lanche?


Jean Remy Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
16/01/2009