sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Lições a tirar da crise econômica internacional

Ivo Lesbaupin
outubro de 2008

“O desmoronamento de Wall Street é comparável, no âmbito financeiro, ao que representou, no geopolítico, a queda do muro de Berlim. Uma mudança de mundo e um giro copernicano. Quem o afirma é o Nobel de Economia, Paul Samuelson: “Esta débâcle é para o capitalismo o que a queda da URSS foi para o comunismo”. Termina o período aberto em 1981 com a fórmula de Ronald Reagan: “O Estado não é a solução, é o problema.” Durante trinta anos, os fundamentalistas do mercado repetiram que este tinha razão, que a globalização era sinônimo de felicidade, e que o capitalismo financeiro edificava o paraíso terreno para todos. Equivocaram-se.” (Ignácio Ramonet)

A crise econômica que eclodiu com toda a sua força em setembro deste ano é extremamente séria e terá conseqüências sociais graves. A OIT prevê mais 20 milhões de desempregados em 2009. Novamente, quem vai pagar o custo da busca insaciável de lucro de poucos é a população mais pobre, a maioria da humanidade. Se não podemos impedi-la, temos pelo menos de tirar todas as conseqüências do que ela nos ensina e promover mudanças na teoria e na prática.
Nos últimos 30 anos, a idéia neoliberal mais difundida, mais defendida, mais brandida, foi a de que “não há alternativa”. E, de repente, em poucos dias, as alternativas proibidas pelo pensamento neoliberal, de intervenção do Estado na economia, de intervenção do Estado no funcionamento do mercado, são propostas, solicitadas, imploradas por inúmeros neoliberais. Agora se reconhece publicamente, sem qualquer vergonha, que não só há alternativas, como elas são benvindas; caiu a proibição de pensar e de pensar diferente, diferente do pensamento econômico único que nos foi imposto todo este tempo.
Aprendemos, nos últimos 30 anos – ele nos ensinaram, a nós, que representávamos o pensamento ultrapassado, “do tempo das cavernas” – que o Estado estava falido, que não tinha recursos para a saúde pública, para a educação pública, para as aposentadorias, para gerar emprego. De repente, este Estado que não tem recursos para a sociedade, especialmente para os menos afortunados, este Estado descobre recursos incríveis para salvar as instituições financeiras, os bancos, o sistema financeiro: 4 trilhões de dólares nos EUA, 3 trilhões na Europa, 200 bilhões de reais no Brasil. Ninguém pergunta de onde vem este dinheiro, ninguém argumenta que isto vai exigir aumento da carga tributária, ninguém levanta a dúvida sobre se vai gerar inflação. Nenhum dos que têm gritado nos últimos anos exigindo a redução dos gastos públicos (em previdência, saúde, educação, habitação, etc.) argumenta que isto é um gasto excessivo.
Esta crise que estamos vendo e vivendo, ela foi prevista há vários anos por vários economistas e mesmo por vários investidores: eles chamaram a atenção para o risco de que uma economia sem regulação, com o capital girando uma riqueza financeira cada vez mais descolada da produção real, risco de uma crise muito séria, semelhante àquela de 1929 (há cerca de dez anos, Rudiger Dornbusch, economista neoliberal, escreveu um artigo com este título, em advertência; Marcos Arruda nos alertara sobre isso num texto de 1999).
E as aposentadorias? Aprendemos, nos últimos 30 anos, que era inviável o sistema de aposentadorias por repartição – em que todos contribuem, numa solidariedade intergeracional, com uma proporção dos seus salários, para a construção de uma proteção social comum. Aprendemos que o sistema ideal é o sistema de capitalização – o dos fundos de pensão -, em que cada um contribui para um fundo que aplica no mercado e é muito mais seguro, mais garantido que o sistema anterior. E agora? Agora, as aposentadorias aplicadas nos fundos de pensão perderam, nos últimos meses, entre 20% e 40% do seu valor. Os conselheiros recomendam que os futuros aposentados não retirem suas aposentadorias agora, que esperem alguns meses (ou anos), para evitar perdas. Isto significa que o sistema de fundos de pensão – regulados pelo mercado – não tem qualquer garantia para o cidadão, que ele pode ser e é bem pior que o sistema mais simples em que todos contribuem e cada um sabe o quanto vai receber ao se aposentar. Ora, todas as reformas da previdência feitas pelos países encantados pelo discurso neoliberal (inclusive a do governo FHC e a do governo Lula), visavam exatamente transferir se não toda a aposentadoria, pelo menos parte, para os fundos de pensão. E não é sem razão que estes fundos se tornaram tão grandes e tão influentes em todo o mundo. Para felicidade dos cidadãos estadunidenses, a tentativa de privatizar a Seguridade Social feita pelo Governo Bush há menos de três anos não foi aprovada: hoje, os aposentados estariam todos na bancarrota.
E a regulação? Nos últimos 30 anos, tudo tinha de ser desregulamentado, era preciso reduzir ou eliminar as regras, as normas, este excesso de leis que impede o mercado de se desenvolver plenamente. E agora descobrimos que o que permitiu chegar a este estado de crise foi exatamente a falta de regulação das instituições financeiras, a falta de controle do sistema financeiro. Descobrimos que o “mercado auto-regulado” não existe, que o mercado muitas vezes é irracional, tem comportamento de manada, fica perdido, é altamente ineficiente, capaz de provocar perdas, a nível mundial, de trilhões de dólares. Livre mercado é desastre com certeza. Para salvar a economia do desastre provocado pelo mercado desregulado, foi preciso apelar para o Estado.
Ensinaram-nos que o Estado não podia mais organizar um amplo sistema de proteção social (saúde, previdência, assistência, entre outros), porque não tinha mais recursos para isso ou porque isso seria “paternalismo”. Que era melhor deixar a proteção por conta do “livre mercado”, da iniciativa privada, que faria isso melhor que o poder público. E descobrimos que, entregues à sanha do mercado, a insegurança dos cidadãos se generalizou e a proteção se desvaneceu. Confirmamos que a proteção social só pode ser construída coletivamente, com base na solidariedade social e não no individualismo. Que o abandono da proteção social coletiva produziu exclusão, desespero e violência, na lógica do “cada um por si”, do “homem lobo do homem”, da “lei da selva”. A idéia neoliberal de que o Estado pode muito pouco para a sociedade serviu apenas para esconder o fato de que o Estado deixou de atender ao conjunto da sociedade para servir apenas aos interesses da elite. Temos de recolocar o Estado a serviço da sociedade e reconstruir um sistema de proteção social pública, parar de desviar recursos das políticas sociais para atender às exigências do capital financeiro (pagamento de juros e da dívida pública).
Aprendemos, em suma, que a ideologia neoliberal era constituída de uma série de dogmas, teses não-provadas, falsas, mas que foram mantidas durante anos graças à colaboração de governos, de muitos intelectuais, e um trabalho incansável da mídia. É impressionante como um conjunto de idéias defendidos e propalados com tanta segurança, com tanta certeza, com tanta arrogância, sejam derrubados em poucos dias, em menos de um mês, no decorrer da primeira grande crise financeira internacional.
No Brasil, nos últimos seis anos o governo Lula e seus defensores nos disseram que não era possível mudar a política econômica por causa de uma correlação de forças desfavorável: o capital financeiro, dominante, não permitiria qualquer mudança fundamental, só secundárias. Qualquer governo, mesmo de esquerda, só poderia mexer em políticas compensatórias, não na política macroeconômica. Era preciso satisfazer os interesses dos banqueiros e dos rentistas, acima de tudo.
E agora? O presidente da França, Nicolas Sarkosy, que em seu governo vem implementando políticas neoliberais, declara sem hesitação que o laissez-faire acabou. Segundo ele, “a ideologia que culminou na ditadura dos mercados onipotentes e do poder público impotente morreu”. A revista The Economist reconhece, em artigo de capa, que o “capitalismo está acuado”. A correlação de forças, portanto, mudou. Isto não significa que o capitalismo está agonizando, mas que uma certa forma de capitalismo – hegemônica nos últimos trinta anos - foi deslegitimada.
A pergunta é: agora que a correlação de forças mudou, a política econômica no Brasil vai continuar a mesma? mesmo sabendo que é este modelo que está na raiz da grave crise atual?
Vejamos, entre outros dados:
- mais da metade do orçamento do país (53% em 2007) é dedicada ao pagamento dos juros e amortização das dívidas externa e interna – que vai encher os bolsos de muito ricos fora do país e dos muito ricos no Brasil e deixa de ser investida na melhoria das condições de vida e de trabalho da população;
- o Brasil, seguindo as recomendações do FMI, não estabeleceu ainda o controle dos fluxos de capital (adotado pela Malásia em 1998 e, em 2003, pela Argentina – para citar dois exemplos recentes), que permitiria ao país ter uma política econômica autônoma, independente do humor dos mercados; por causa disso, é obrigado a manter os juros altos, de modo a evitar a fuga de capitais;
- a DRU (Desvinculação das Receitas da União) retira recursos das políticas sociais para garantir o superávit primário (prioridade ao pagamento da dívida e dos juros);
- o capital financeiro é privilegiado na política fiscal em detrimento dos trabalhadores brasileiros: como um pequeno exemplo, investidores estrangeiros são isentos de pagar imposto se investirem no país em títulos da dívida pública;
- a Reforma Tributária encaminhada pelo governo e em discussão no Congresso suspende fontes importantes de recursos da Seguridade Social (que, segundo a Constituição, são recursos vinculados), além de deixar intocado o caráter regressivo do sistema tributário brasileiro, gerador de forte desigualdade social – porque faz o pobre pagar mais proporcionalmente que o rico.

A crise de 1929 foi o detonador que permitiu a mudança da política econômica e o surgimento do New Deal – primeiro passo para a introdução do Estado de Bem-Estar social. A crise atual gerou a demanda por uma nova regulação internacional da economia mundial. Este momento é, sem dúvida nenhuma, a grande chance para romper com a desregulamentação e a economia centrada nos interesses do capital financeiro. É o momento certo para a retomada da prioridade nos cidadãos, no trabalho, em reorientar o Estado para investir em políticas públicas, o momento certo para interromper as privatizações (de estradas, aeroportos, etc.), estabelecer um amplo projeto de desenvolvimento – não predatório - do país, capaz de gerar empregos de qualidade.
O capitalismo neoliberal, com suas políticas nacionais e sua globalização, produziu um grau de exclusão social jamais visto, tanto nos países desenvolvidos como nos menos desenvolvidos. Gerou transformações dramáticas no sistema alimentar em todo o mundo, tornando os alimentos mercadorias – meras fontes de lucro para as empresas transnacionais que os controlam – em vez de meios de sustento da humanidade. Contrariamente à propaganda, aumentou a insuficiente e a má alimentação em todo o mundo. É preciso romper com a prioridade concedida ao agronegócio - que produz para lucrar: os alimentos devem voltar a ser produzidos pela agricultura familiar, pela agricultura camponesa. Precisamos urgentemente de uma reforma agrária e de uma nova política para a agricultura.
Este capitalismo está tornando a terra inabitável, ao utilizar um modelo de desenvolvimento predatório, que esgota os recursos naturais – os minerais, inclusive -, na medida em que se baseia no máximo consumo e, portanto, na produção sem limites. Está esgotando a terra, ao impor um tipo de agricultura baseada em sementes transgênicas e em agrotóxicos, capazes de destruir a natureza e envenenar a humanidade. E está esgotando a água, ao submeter a terra a uma exploração sem qualquer controle, visando unicamente o lucro.
Nós temos um país com recursos naturais invejáveis, com terra agricultável em quantidade, com uma imensidão de trabalhadores dispostos a trabalhar – o principal recurso para o desenvolvimento -, com um parque produtivo que foi atingido mas não destruído pelas políticas neoliberais. Somos banhados pelo sol o ano inteiro, temos 13,7% da água doce do mundo e temos ventos: ou seja, poderíamos ter toda a nossa energia “limpa”, energia solar, hídrica, eólica . E, graças à crise, nós temos a confirmação de que nosso país tem muitos recursos para investir, para salvar o povo (e não salvar especuladores e gananciosos).
É preciso parar de pensar e de reagir segundo os parâmetros do modelo neoliberal: juros altos, estrito controle da inflação, livre circulação de capitais, salários controlados – instrumentos próprios para garantir o rendimento dos capitais e que dificultam e impedem o desenvolvimento. Segundo Paul Krugman, contrariamente ao credo hegemônico até agora, o governo precisa gastar, precisa investir – para gerar emprego e melhorar as condições de vida da população. Segundo Belluzzo, “o governo deve expandir o gasto em investimentos que maximizem efeitos multiplicadores para trás e para frente, na forma de emprego, encomendas às cadeias produtivas e expansão de uso de capacidade instalada. (É preciso) injetar recursos adicionais em projetos e áreas que rapidamente possam irradiar seus efeitos em todo sistema. Trata-se de reverter a dinâmica da desaceleração em curso na economia”. Para Belluzzo, se tomar medidas que bloqueiam o crescimento, numa conjuntura de recessão mundial, o país estará criando as mesmas condições que favoreceram a vitória do nazismo na Alemanha.
Para Fernando Cardim, nós “temos trunfos significativos. Ao contrário de muitos países da periferia do capitalismo, a escala do mercado interno e a existência de uma base industrial ampla e sofisticada dá boa margem de manobra à economia brasileira. Mas é preciso realmente ativar essas potencialidades. Segundo ele, “o país pode e deve reposicionar seus instrumentos de política econômica: a) além de baixar os juros, é preciso dar ao BNDES o capital que for necessário para que o banco possa arrastar o restante dos investidores privados em direção a projetos produtivos. Poucos países do mundo têm um trunfo como o do BNDES, não se pode desperdiçá-lo; b) é necessário promover uma reforma no mercado de capitais para induzir recursos ao setor produtivo; c) é indispensável atrelar a política fiscal firmemente a um plano de investimentos em infra-estrutura".
Reinaldo Gonçalves, num artigo denso, “Crise econômica: radiografia e soluções para o Brasil”, vai elencar as medidas que deveriam ser tomadas se o governo quiser enfrentá-la seriamente, priorizando a grande maioria da sociedade, que são os trabalhadores: entre outras, a redução da taxa de juros, o controle de capitais (entrada e saída), a expansão dos gastos públicos, a redução da carga tributária sobre os trabalhadores.
Dada a magnitude da crise, é mais que nunca o momento de pensar num modelo de desenvolvimento centrado nas necessidades humanas, que garanta a reprodução da natureza, que evite o desperdício, que não esgote os recursos naturais. Um desenvolvimento que não esteja voltado para a maximização do consumo e, sim, para a vida humana. “Eu acho que o capitalismo é frontalmente incompatível com a ecologia. Qual é a proposta do capitalismo? É explorar, de forma ilimitada, todos os recursos da terra, transformando-os em lucro, em mercadoria. (...) Enquanto perdurar o capitalismo - e hoje ele se globalizou - nós vamos ter crises sistemáticas do sistema da vida, o sistema da sociedade” (Boff, L., 2007). “Pode-se aplicar a “sustentabilidade” para o tipo de desenvolvimento/crescimento moderno cuja lógica se sustenta na pilhagem da Terra e na exploração da força de trabalho?” pergunta Leonardo Boff (Boff, 2004).
“Nosso objetivo é a vida e não a produção: trata-se de melhorar as condições de vida, o viver bem, juntos, e, para isto, trabalhar para obter o que é necessário para atingir este objetivo” (Löwy, 2007). É preciso responder às necessidades sociais. A produção é um meio, não um fim. Nós temos necessidade de água, alimentos, roupas, habitação. Temos necessidade de aprender, de ler, de estudar. Temos necessidade de música, de dança, de esporte, de lazer, de atividades físicas e espirituais (cf. Löwy, 2007 e Arruda, 2006).
O que é necessário para conseguir estes bens? E como obter o que é necessário sem destruir as condições que nos permitem viver na Terra, sem acabar com a água, com os peixes, com os animais, com a terra cultivável, as florestas, etc.? É necessário fazer a crítica da ideologia produtivista do "progresso", assim como a crítica da civilização baseada no automóvel e, por causa disso, obcecada pela produção dos combustíveis (fósseis ou agrocombustíveis) (cf. Löwy, 2007).
Se quisermos fazer isso, não basta um discurso anti-neoliberal. É preciso redirecionar a política econômica que nos governou nos últimos vinte anos: colocar o Estado decididamente a serviço da sociedade e não mais da elite mais rica do país – aquela constituída pelos banqueiros e pelos rentistas. É preciso romper com a lógica do livre fluxo de capitais, que torna o país refém dos “mercados”, mercados que, agora foi confirmado, são absolutamente incapazes de se auto-regular e, ao contrário, são capazes de destruir toda a atividade econômica. É preciso utilizar os recursos existentes – que são imensos, confirmamos também agora – para promover um amplo programa de desenvolvimento do país, com investimento pesado nas políticas públicas de saúde, de educação, de habitação, de transporte coletivo; em projetos de infra-estrutura; de modo a gerar emprego para todos e empregos de qualidade. Isto significa romper com a política de juros altos; romper com a centralidade da política de controle da inflação; significa tornar central a política de geração de empregos. Significa fazer uma auditoria da dívida pública, liberando recursos para atender às necessidades sociais.
O Estado deve deixar de ser o “organizador da transferência de riqueza e renda” da maioria da população para a camada mais rica – através do superávit primário e do sistema tributário regressivo que temos. O Estado deve promover políticas de distribuição de renda, o que exige uma reforma tributária em direção a um sistema progressivo.
É isto que significa romper com a ideologia neoliberal, com o modelo neoliberal e criar as bases para reorganizar a sociedade, oferecendo-lhe condições de desenvolvimento – um outro modelo de desenvolvimento - e de bem-estar.
É possível? Se, antes da crise, a ideologia neoliberal dizia que não era possível, hoje todos sabem que é possível, sim. Estas são algumas das lições que temos de tirar da maior crise econômica internacional desde a crise de 1929. São os cidadãos, o conjunto dos movimentos sociais e das pastorais, são as organizações da sociedade civil que devem se mobilizar, se organizar e pressionar para que isso se torne realidade.

Referências bibliográficas
ARRUDA, Marcos (1999). “Globalização financeira neoliberal: grave enfermidade do capitalismo”. 6 págs. Republicado em www.jubileubrasil.org.br .
________________ (2006). Desenvolvimento: a arte de realizar nossos potenciais. In: Id. Tornar Real o Possível: Economia Solidária, Desenvolvimento e o Futuro do Trabalho. Vozes, Petrópolis, cap. 3.
BOFF, Leonardo (2004). A crise ecológica: a perda da re-ligação. In: Ecologia, Grito da Terra, Grito dos Pobres. Cap. III, Petrópolis, Vozes.
______________ (2007). “Leonardo Boff e a crise do capitalismo”. Entrevista ao jornal O Povo, Fortaleza – Ceará, 07/07/2007.
BELLUZZO, Luiz Gonzaga (2008). “Cortar gasto público? Foi essa receita que empurrou a Alemanha para o nazismo em 1933”. Publicado na Agência Carta Maior: www.cartamaior.com.br , 4 págs., 23/10/2008.
CARDIM, Fernando (2008). "Será preciso repensar um projeto para o país". Entrevista à Agência Carta Maior: www.cartamaior.com.br , 20/10/2008.
CARTA DE MAPUTO (2008). V Conferência Internacional da Via Campesina. Maputo, Moçambique, 22/10/2008.
CARTA de várias entidades sul-americanas para os presidentes da América do Sul. “Ante a crise financeira internacional”. Publicada em www.adital.com.br , 17/10/2008.
GONÇALVES, Pe. Alfredo J. (2008). “No olho da crise”. Meio digital, 4 págs., 28/10/2008.
GONÇALVES, Reinaldo (2008). “Crise econômica: radiografia e soluções para o Brasil”. Meio digital, 29/10/2008, 18 págs.
KRUGMAN, Paul (2008). “Nobel de Economia defende aumento de gastos públicos contra a crise” Entrevista para Alternatives Economiques. Publicada em Sin Permiso, traduzida pela Agência Carta Maior: www.cartamaior.com.br , 22/10/2008.
LÖWY, Michael (2007). “Ecosocialism, democracy and planification”. Artigo publicado em www.europe-solidaire.org , 18 págs.
RAMONET, Ignácio (2008). “O fim de uma era do capitalismo financeiro”. Artigo publicado pela Agência Carta Maior: www.cartamaior.com.br , 16/10/2008.
SEPLA (Sociedade Latino-Americana de Economia Política e Pensamento Crítico). “Salvar os povos, não os bancos”. Publicado em www.resistir.info , 23/10/2008.

Petrobras entrega primeira extratora de girassol do Rio Grande do Norte

O Programa de Biodiesel da Petrobras no Rio Grande do Norte inicia uma nova fase: a entrega de uma extratora de óleo vegetal ao Assentamento Canudos, em Ceará-Mirim. Com investimento de R$ 350 mil, o projeto foi realizado a partir de um termo de cooperação entre a Petrobras e a Cooperativa dos Produtores de Canudos (Copec). Essa é a primeira máquina extratora do Estado voltada para grãos de girassol.

O maquinário tem capacidade de gerar 120 litros de óleo de girassol por hora, beneficiando diretamente 500 famílias agrícolas e 100 famílias na utilização de co-produtos do grão.

Um dos produtos gerados é a torta de girassol, utilizada na criação de caprinos e ovinos, bem como na alimentação de tilápias criadas em tanques.

O principal resultado econômico para a Copec é a agregação de valor à produção dos pequenos agricultores, que vão passar a comercializar o óleo de girassol - mais valioso que a semente - para a produção de biodiesel. A presença da extratora também tem o papel de incentivar e alavancar a produção de girassol.

A extratora, que recebeu isenção de ICMS pelo governo do Estado, utiliza uma tecnologia ambientalmente correta, com tecnologia de extração a frio, sem utilização de caldeiras e, conseqüentemente, sem fazer uso de lenha. Isso contribui para melhoria e preservação do meio ambiente. O conjunto é formado por equipamentos de limpeza, prensagem e extração do óleo, filtragem e armazenamento.

No Rio Grande do Norte funcionam a Usina Experimental de Biodiesel I e a Unidade Experimental de Biodiesel II, que juntas já receberam investimentos de R$ 20 milhões e têm capacidade de produção de 20,4 mil toneladas por ano.

Fonte: Agência Petrobras

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Paul Singer - A relação entre as finanças e a economia da produção e do consumo



PAUL SINGER
A relação entre as finanças e a economia da produção e do consumo
Para superar a crise financeira e impedir que ela lance a economia real em recessão, é essencial que o crédito seja restaurado, o que possivelmente exigirá uma intervenção efetiva do poder público nos bancos. Se os governos não fizerem isso, é provável que o dinheiro público injetado nos bancos seja entesourado, porque é o que todos os agentes privados fazem enquanto o pânico perdura.
Paul Singer
O mistério do interrelacionamento entre as finanças e a economia da produção e do consumoÉ nos momentos de crise financeira que a opinião pública se volta a este tema: como se interrelacionam o mundo financeiro com suas vicissitudes especulativas e o mundo da produção e consumo de valores de uso. São dois mundos distintos: no primeiro circulam valores monetários denominados genericamente de ativos porque são créditos, a cada um dos quais corresponde um débito (ou passivo); no segundo circulam bens e serviços que satisfazem necessidades de seres humanos, que por isso se dispõem a pagar para adquiri-los. Estes bens e serviços são mercadorias – produtos do trabalho humano destinados à venda, à troca por dinheiro - e neste sentido também são valores monetários. A diferença entre ativos e mercadorias é que os primeiros são valores virtuais, isto é, não satisfazem qualquer necessidade diretamente, ao passo que os últimos são valores reais, prontos para serem utilizados ou consumidos.As finanças prestam serviços à economia real: recebem em depósito a poupança de famílias e empresas (sem falar dos governos) e lhes oferecem empréstimos. Serviços financeiros são basicamente de intermediação entre famílias e empresas que têm poupanças e outras que necessitam de dinheiro. As finanças recolhem o dinheiro sobrante das primeiras e o emprestam às últimas. Mas, sua atividade principal é emprestar a governos e empresas para que possam fazer investimentos. Embora as compras a prazo dos consumidores sejam importantes – sobretudo o crédito hipotecário - a maior parte dos ativos se destina a financiar investimentos do poder público e das empresas capitalistas, sobretudo de grande porte.Além disso, boa parte da poupança captada pelas finanças são delas mesmas. A atividade financeira expandiu-se acentuadamente nos últimos decênios de globalização e neo-liberalismo, usufruindo de lucros extraordinários, parte dos quais alimentam as remunerações milionárias dos altos executivos financeiros. Uma parte crescente do capital total da economia capitalista globalizada gira no mundo financeiro e nas fases de alta dos ciclos de conjuntura usufrui de inegável hipertrofia. São muitas as modalidades de empréstimos praticados pelas finanças: depósitos bancários, títulos negociados em Bolsas de Valores, emissões de títulos por governos, grandes empresas, companhias de seguros (apólices), emissão de cartões de crédito e de débito e assim por diante. O que efetivamente importa é que os intermediários podem emprestar mais dinheiro do que captaram do público ou de outros intermediários. Eles podem fazer isso porque gozam de crédito por parte do público que aceita em pagamento os ativos avalizados por bancos. É assim que funcionam os cheques e os cartões eletrônicos: são ordens de pagamento que o cliente do banco emite para que determinadas dívidas, que ele faz junto a lojas, restaurantes etc., sejam pagas pelo seu banco. A grande maioria das transações dos agentes da economia real é liquidada por meio de instrumentos chamados meios de pagamento emitidos por bancos. Só transações de pouco valor são liquidadas por meio da moeda oficial emitida pela Autoridade Monetária, que pode ser o Banco Central ou o Tesouro do governo nacional.Os bancos ganham dinheiro fazendo empréstimos, pelos quais cobram juros. Os serviços que prestam aos depositantes só lhes dão despesas. Os bancos precisam dos depósitos porque eles constituem o lastro dos empréstimos que fazem. O Banco Central exige que os bancos comerciais mantenham um encaixe mínimo que serve para cobrir os saques dos depositantes. Os prestatários (que recebem os empréstimos) sacam rapidamente os valores acrescentados aos seus saldos para pagar os fornecedores de equipamentos, instalações, matérias primas etc. que são os elementos materiais de seus investimentos. Os fornecedores, por sua vez, depositam imediatamente o dinheiro recebido em seus bancos, quando o dinheiro não é transferido diretamente para suas contas. O que significa que o dinheiro utilizado pelos agentes da economia real para liquidar transações entre eles circula incessantemente entre os bancos, ou seja, no âmbito financeiro. Quando todos os bancos, no afã de ganhar mais, ampliam os empréstimos a agentes da economia real, os depósitos de todos eles aumentam. O efeito importante é sobre a economia real, que se expande na medida em que os investimentos crescem, o que ocasiona a ampliação do emprego, da produção e do consumo. A expansão da economia real se auto-alimenta na medida em que desempregados conseguem trabalho, os gastos do público aumentam, o que suscita mais investimentos, mais emprego e mais produção.O ciclo de conjunturaA fase de alta do ciclo se origina mais frequentemente na economia real do que no âmbito financeiro. Ela é desencadeada geralmente por inovações tecnológicas de grande impacto sobre a produção e/ou consumo ou por mudanças institucionais, como a instauração de sistemas de previdência social, de assistência à saúde ou de transferência de rendimentos à população mais pobre. A realização de inovações tecnológicas exige investimentos vultosos, o que eleva as demandas de financiamento por parte das empresas. O mesmo se dá quando iniciativas governamentais de redistribuição de renda elevam os gastos de consumo de amplos setores da sociedade, o que também requer investimentos para ampliação da capacidade de produção dos bens e serviços consumidos por aqueles setores. O crescimento da demanda por empréstimos normalmente evoca resposta favorável das finanças, que farejam oportunidades para bons negócios. É conhecida a tendência dos intermediários financeiros de agir como rebanhos: quando a alta cíclica da economia real acontece, todos os banqueiros se entusiasmam, convictos de que os riscos de que os empréstimos deixem de ser pagos tornaram-se insignificantes. Na medida em que as expectativas otimistas se revelam verdadeiras – os financiamentos são pagos pontualmente – o entusiasmo cresce até se tornar euforia. Microempresas, incapazes de oferecer garantias reais normalmente exigidas, acabam por receber empréstimos em função do seu potencial, representado algumas vezes por não muito mais do que uma boa idéia.A euforia é contagiante. Ela pode ter começado na economia real e contaminado as finanças ou vice-versa. Seja como for, enquanto o potencial das inovações tecnológicas ou das mudanças institucionais não estiver esgotado, a fase de alta do ciclo se eleva cada vez mais, graças à interação simbiótica das finanças com a economia real. Até que ela bate num teto. Este pode ter por causa o esgotamento da capacidade de expansão da oferta de mercadorias, por falta de mão-de-obra ou de oferta de energia ou de capacidade de transporte e armazenagem ou de tudo isso em conjunto. Outra origem do teto para a alta pode ser o esgotamento da necessidade das mercadorias cuja produção está em perene aceleração. Este foi o caso da bolha imobiliária, que está na origem da atual crise financeira. A demanda por habitação costuma ser grande, mas certamente não é infinita. A alta da atividade de construção tem elevado poder de irradiação por toda economia, na medida em que ela implica em procura crescente por material de construção, equipamentos e mão-de-obra, além de mobília, eletrodomésticos, objetos de decoração etc., etc.. Como a construção de casas e prédios é relativamente prolongada, quando o esgotamento da demanda se torna manifesto, a quantidade de construções em andamento está no auge. Interrompê-las pode ser extremamente custoso, mas levá-las a cabo implica em mais investimentos numa mercadoria que provavelmente se tornará invendável, a não ser por um preço muito abaixo do custo.O estouro duma bolha imobiliária atinge em cheio as finanças porque imóveis são objetos privilegiados para a especulação, particularmente porque os investimentos parecem protegidos por elevada garantia material, qual seja, os próprios imóveis. Uma parte da intermediação financeira se especializa no financiamento hipotecário e quando a bolha atinge seu apogeu este setor atrai enorme quantidade de dinheiro, parte do qual é investida na especulação fundiária. Quando finalmente a oferta de residências ultrapassa a demanda solvável, o preço tanto dos terrenos como das construções despenca, acarretando grandes prejuízos não só aos investidores, mas também às instituições que os financiam. No caso da atual crise financeira, a peculiaridade é que, durante a alta, instituições financeiras fizeram empréstimos à população de baixa renda, que implicam riscos maiores do que os normais. Por isso os títulos de crédito destas operações recebem a classificação de subprime, o que significa algo como “abaixo dos melhores”. Para poder vender estes títulos ao público sem deságio, as instituições os empacotaram com outros títulos de risco considerado menor, numa manobra conhecida como de diluição de riscos. A operação aparentemente foi um sucesso: títulos no valor de muitos bilhões de dólares foram incorporados às carteiras de ativos de numerosos bancos de investimento, não só dos Estados Unidos, mas também da Europa. Quando o ciclo imobiliário entrou em baixa, o preço das residências e o aluguel das mesmas sofreram forte queda, tornando desproporcionalmente onerosa a dívida assumida por milhões de famílias pobres. Em outras palavras, o prejuízo causado pelo estouro da bolha foi colocado sobre os ombros de quem menos podia suportá-lo. Os devedores deixaram de honrar suas dívidas, arriscando-se a perder suas casas e apartamentos, cada vez mais desvalorizados. Desta maneira o prejuízo bilionário da crise imobiliária voltou ao colo dos especuladores financeiros, que se mostraram igualmente incapazes de suportá-lo. Um grande banco estadunidense faliu e diversos outros foram provisoriamente estatizados, tanto na América do Norte como na Europa. Crises que se originam no âmbito financeiroHá crises que se originam no próprio setor financeiro, sem envolver inicialmente a economia real. Uma crise deste tipo ocorreu em 2000, nos Estados Unidos, por ocasião da grande euforia ocasionada pela criação da Internet e a conseqüente revelação de suas inegáveis potencialidades. A criação de empresas de informática muito lucrativas e capazes de expansão fulminante provocou uma corrida nas Bolsas de Valores por ações de firmas em setores de alta tecnologia. As ações passaram a se valorizar cada vez mais, proporcionando ganhos milionários aos especuladores institucionais – fundos de investimento, fundos de pensão, companhias de seguro etc. – e também a um crescente número de pessoas físicas, que passaram a arriscar suas economias neste jogo. O Federal Reserve – o banco central dos Estados Unidos – resolveu intervir para deter a bolha, certamente para limitar as perdas quando seu inevitável estouro tivesse lugar. Para tanto, o Federal Reserve começou a elevar paulatinamente a taxa oficial de juros, encarecendo deliberadamente o crédito em geral. Esta ação levou meses, até que a taxa de juros para investimento praticamente ‘sem risco’ chegasse a um patamar que levasse investidores a preferir aplicações a juros em lugar de comprar ações, cujo rendimento depende da lucratividade da firma que as emite. A partir deste momento o volume de recursos aplicados em ações começou a diminuir, o que fez com que os seus preços passassem a crescer cada vez menos. Subitamente, o humor dos especuladores mudou inteiramente e um número cada vez maior deles começou a vender suas ações, tendo em vista aplicar o dinheiro em outros ativos. O que causou uma débâcle nas Bolsas, não só dos EUA, mas também do resto do mundo, com queda vertical das cotações.Os prejuízos dos intermediários financeiros foram enormes, com a perda de trilhões de dólares no valor das empresas. Ficou evidente que as cotações haviam atingido níveis muito maiores do que a lucratividade destas empresas justificaria. O Federal Reserve imediatamente inverteu sua política, passando a reduzir também paulatinamente a taxa de juros, para tentar evitar que a crise das bolsas afetasse a economia real. Mas, apesar da notável agilidade do Federal Reserve, a economia real estadunidense entrou em recessão. O débâcle dos mercados de ações ocasionou fortes perdas aos fundos, cujos investidores passaram a conter seus gastos, o mesmo acontecendo com os milhões de particulares que arriscaram suas economias no jogo especulativo. E o crédito mais restrito e caro também impediu que muitos investimentos planejados fossem executados.A queda na demanda dos consumidores e na realização de investimentos causou uma queda na atividade econômica, que foi enfrentada pela Autoridade Monetária mediante injeções de dinheiro, que ajudaram a financiar o setor imobiliário. A recessão de 2000/2001, agravada pelo ataque às Torres Gêmeas de Nova Iorque, foi superada pela persistente alta dos preços dos imóveis e a expansão da atividade construtiva, que constitui o pano de fundo da crise financeira começada em 2007 e que atualmente (2008) começa a afetar a economia real estadunidense e européia. O inter-relacionamento entre as finanças e a economia realHistoricamente, as finanças modernas surgiram desde o século XIV, na Europa Ocidental para financiar os governos monárquicos, principalmente suas guerras e suas alianças matrimoniais. Em muitos países, os primeiros bancos eram oficiais, possuídos por autoridades nacionais ou locais. No Brasil, nosso primeiro banco foi criado por D.João VI no início do século XIX e permaneceu sob controle do governo imperial até a Proclamação da República, sendo a criação de bancos privados mal tolerada pelo poder público. A conhecida propensão das finanças entrarem em crise, como vimos acima, provoca praticamente sempre uma forte intervenção estatal no setor, tendo em vista preservar a normalidade dos negócios financeiros e muitas vezes com o propósito explícito de proteger a economia real das emanações destrutivas da crise financeira. Em diversos países, todos os intermediários financeiros chegaram a ser estatizados e ficaram nesta condição por anos, até que algum governo resolveu reprivatizá-los..Sem considerar o papel do Estado é impossível compreender o inter-relacionamento entre as finanças e a economia real. Atualmente, as finanças de cada país são constituídas majoritariamente por entidades privadas, mas sob controle e fiscalização do Banco Central. As finanças são quase sempre dominadas por um número reduzido de grandes entidades, que constituem complexos financeiros com atuação em quase todas modalidades financeiras, desde os bancos de varejo e os bancos de investimento atacadistas (que lidam apenas com grandes inversores) até as companhias de seguro, os fundos de investimentos, as companhias de cartões eletrônicos etc.. Com o advento da globalização financeira, produto da abertura total da circulação dos capitais sobre as fronteiras nacionais de numerosos países, o poder do Estado nacional sobre as finanças foi consideravelmente erodido, porque se algum governo nacional vier a tomar medidas que contrariem os interesses das firmas financeiras privadas, ele se defrontaria imediatamente com forte fuga de capitais para paraísos fiscais, que lhes garantem liberdade total de ação a custo muito baixo. Para que os governos nacionais possam recuperar o controle sobre o capital financeiro, a primeira medida teria que ser o restabelecimento do controle sobre a movimentação internacional dos capitais privados.A economia real também é dominada por um punhado de transnacionais de grande porte. Para não ter de se submeter aos complexos financeiros, estas firmas criaram seus próprios braços financeiros, semelhantes aos complexos financeiros independentes. As estruturas das finanças e da economia real se assemelham, sobretudo em seus aspectos oligopólicos e transnacionais. Mas, a economia real é muito mais diversificada e é composta por um número muito maior de empreendimentos de pequeno porte do que o setor financeiro. Por isso, na maior parte dos países, a intervenção do Estado na economia real é mais dispersa e muito mais diversificada, consistindo em geral na concessão de incentivos e imposição de proibições de atividades que violam a concorrência, os direitos dos trabalhadores ou a preservação de recursos naturais não renováveis.A economia real é instável e imprevisível por causa da ausência de qualquer tentativa de coordenação da produção e do consumo, distribuídos hoje em dia por milhares de mercados distintos. Tentativas de coordenar as ações de todas as empresas de determinado setor são consideradas formação de cartel e portanto ameaças à competição, o que é punível por lei. Decisões devem ser tomadas isoladamente por cada empresa, para que a competição nos diversos mercados seja livre.Para tornar a economia real mais estável e previsível a cartelização de determinados ramos deveria ser não só permitida, mas fomentada e controlada pelo poder público, para tornar as decisões estratégicas das empresas mutuamente congruentes e portanto mais eficazes. O controle público teria por objetivo impedir que o ganho de eficiência seja apoderado apenas pelo segmento mais forte, mas compartilhado com todas as empresas da cadeia produtiva e com os consumidores dos produtos.A instabilidade e imprevisibilidade do mundo financeiro são, em certa medida, reflexos destas características da economia real. Mas, no mundo financeiro a imprevisibilidade é condição indispensável para que possa haver especulação, que constitui a razão de ser de parte considerável (Bolsas de Valores e de Mercadorias) deste mundo. Isso faz com que a instabilidade e a incerteza quanto ao futuro, nas finanças, sejam muito maiores do que na economia real. Os ativos com que lidam as finanças, são contratos a serem executados num futuro, que no capitalismo é inevitavelmente incerto. Além disso, há outra diferença entre as finanças e a economia real que torna a instabilidade e imprevisibilidade muito maior no âmbito financeiro: é que este está sujeito a ondas de otimismo ou pessimismo que arrastam o conjunto de operadores numa ou noutra direção, maximizando ganhos e perdas sempre que o rebanho muda bruscamente de direção. A especulação na economia real se funda mais em informações específicas sobre determinados setores de produção e consumo. Por isso, a economia real é menos propensa a se lançar inteira em ondas de otimismo ou pessimismo, provocadas por apreciações apenas subjetivas. A crise financeira, por tudo isso, pode ser considerada inevitável, pelo menos enquanto a desregulação das finanças permanecer em vigor. A crise faz com que a prestação de serviços financeiros à economia real se contraia cada vez mais até cessar ao todo, a partir do momento em que a crise alcança a maior parte dos bancos e demais intermediários. O trancamento das fontes de crédito obriga as empresas que não dispõem de reservas líquidas abundantes a suspender o pagamento de suas dívidas e se a crise se prolongar elas acabam por falir. Os rombos deixados pelas falidas arrastam suas credoras à inadimplência por sua vez. Desta maneira, a crise financeira contamina a economia real, podendo lançá-la em recessão em pouco tempo.Então, o que fazer?Trata-se de circunscrever a crise financeira, num primeiro momento, para evitar que ela venha a paralisar a economia real. Uma eventual crise da economia real tem conseqüências sociais e políticas muito mais amplas porque ela começa por lançar no desemprego e logo mais na miséria uma parcela substancial da sociedade. Uma crise da economia real é muito mais difícil de reverter por medidas de Estado, porque não basta recuperar a confiança da população em determinadas instituições. Seria necessário criar novas atividades capazes de reinserir milhões de pessoas na economia mediante políticas de fomento e incentivo que somente poderão ser definidas por um processo prolongado de tentativa e erro. A grande crise de 1929 levou uma década para ser superada e mesmo assim graças ao “auxílio” de uma guerra mundial.Como a crise da economia real não aconteceu ainda e tão pouco é fatal, partiremos do pressuposto de que é possível preveni-la desde que sejam adotadas políticas capazes de resolver em curto prazo a atual crise financeira e ao mesmo tempo lancem fundamentos de uma nova estrutura institucional capaz de evitar novas crises financeiras no futuro. Convém lembrar que o sistema monetário internacional implantado nos anos 1930, e consolidado e sistematizado na Conferência de Bretton Woods em 1944, livrou o mundo de crises financeiras internacionais por mais de 40 anos. Ao contrário da política do governo de Bush, que se dispõe a resgatar os bancos falidos comprando seus créditos podres, e por isso sem valor, por preços que evitem a bancarrota gastando algo como 700 bilhões de dólares do erário público, o Estado deveria se apossar dos bancos falidos e só então reabilitá-los com recursos do tesouro. Se os governos não fizerem isso, é provável que o dinheiro público injetado nos bancos seja entesourado, porque é o que todos os agentes privados fazem enquanto o pânico perdura. Mas, para superar a crise financeira e impedir que ela lance a economia real em recessão, é essencial que o crédito seja restaurado, o que possivelmente exigirá uma intervenção efetiva do poder público nos bancos.Uma vez superada a crise, uma reformulação em profundidade das finanças deveria ser pautada. Há bons argumentos a favor da estatização perene de todos os bancos que emitem os meios de pagamento do país, não só para preservar o meio circulante da especulação mas, sobretudo, para garantir os valores dos depositantes e fazer com que sejam aplicados onde são mais necessários do ponto de vista do interesse geral da sociedade. O que pode implicar numa governança participativa do novo sistema financeiro, com forte presença dos assalariados, trabalhadores da economia solidária, além dos setores empresariais de praxe. Se as finanças fossem todas colocadas sob um comando unificado, elas poderiam controlar a economia real inteira, impondo-lhe diretrizes sobre o que e quanto produzir e consumir, de forma semelhante ao que foi feito nos países do ‘socialismo real’ no afã de planejar centralmente todas as atividades econômicas. Este não é um modelo que permitiria a paulatina construção duma economia socialista autogestionária. Em lugar dele algo como um parlamento econômico, composto por representantes eleitos dos diferentes modos de produção – capitalismo, pequena produção de mercadorias, economia solidária, economia pública local, regional e nacional etc.. – certamente seria mais adequado. Finalmente, o mercado de capitais teria de ser reformulado, tendo em vista não só coibir a especulação, mas também reconstruir os laços entre o investidor privado e o empreendimento em que ele é sócio. Neste sentido, seria necessário retirar a presente “liquidez” dos investimentos, que hoje podem ser colocados numa firma e retirados depois num piscar de olhos e quase sem custos. Entre as idéias que me ocorrem uma seria limitar o número de sócios de cada firma, de modo que seja possível a cada um participar efetivamente da administração da mesma, pelo menos na condição de membro duma assembléia de acionistas com influência real sobre a empresa. Só assim, propostas de cogestão de empresas por proprietários, empregados e representantes dos clientes p.ex. poderiam ser viáveis. (*) Paul Singer é economista, Secretário Nacional de Economia Solidária